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Minha Hérnia de Disco pode regredir sozinha? Entenda a Ciência

Uma das perguntas mais frequentes e carregadas de ansiedade no nosso consultório de coluna é: “Doutor, essa hérnia vai sumir ou vou precisar conviver com ela para sempre?”. A resposta, baseada nas mais recentes evidências científicas, é surpreendentemente positiva para a grande maioria dos pacientes. Sim, a hérnia de disco pode regredir, ser reabsorvida pelo organismo e até desaparecer completamente dos exames de imagem sem necessidade de intervenção cirúrgica.

Este fenômeno faz parte da história natural da doença. O corpo humano possui mecanismos imunológicos potentes capazes de identificar o fragmento de disco deslocado como um “corpo estranho”, iniciando um processo de degradação enzimática e absorção. Compreender esse processo é fundamental para reduzir o medo e aderir ao tratamento conservador, evitando cirurgias desnecessárias em momentos de dor aguda.

📊 O Paradoxo da Gravidade

Você sabia? Quanto “pior” e maior for a hérnia na ressonância magnética, maior é a chance dela desaparecer sozinha.

Estudos indicam que grandes extrusões e fragmentos sequestrados (soltos) são os alvos mais fáceis para o sistema imunológico limpar, enquanto pequenos abaulamentos tendem a ser crônicos e mudam pouco ao longo do tempo.

Entendendo os Tipos: De Abaulamento a Sequestro

Para entender a chance de cura espontânea, é preciso primeiro diferenciar o que está acontecendo no disco intervertebral. O disco funciona como um amortecedor hidráulico, composto por um núcleo pulposo (gelatinoso, no centro) e um ânulo fibroso (capa resistente, na periferia). O envelhecimento da coluna causa desidratação e fissuras nessa estrutura.

As alterações são classificadas conforme o grau de deslocamento do material discal:

  • Abaulamento Discal (Bulging): É um “esparramamento” generalizado do disco. O anel fibroso está intacto, apenas deformado. É extremamente comum em adultos e raramente causa compressão nervosa grave.
  • Protrusão Discal: O núcleo empurra o anel fibroso, criando uma saliência focal, mas o anel ainda não se rompeu completamente. O material está contido.
  • Hérnia Extrusa: O anel fibroso se rompe e o núcleo gelatinoso extravasa para dentro do canal vertebral, entrando em contato direto com raízes nervosas ou a medula. Gera muita inflamação química.
  • Hérnia Sequestrada: Um pedaço do núcleo se solta completamente do disco original e migra pelo canal vertebral (para cima ou para baixo). É a forma mais grave visualmente.

Probabilidade de Regressão Espontânea (Estudo JNS Spine)

Abaulamento
13,3%
Protrusão
52,5%
Hérnia Extrusa
70,4%
Hérnia Sequestrada
93,0%

Fonte: Systematic review and meta-analysis – Journal of Neurosurgery Spine (2023)

Como a hérnia desaparece? O Mecanismo Biológico

A regressão não é mágica; é um processo inflamatório e imunológico complexo. Quando o núcleo pulposo (o “recheio” do disco) extravasa para o canal vertebral, ele entra em contato com vasos sanguíneos do espaço peridural. Como o interior do disco é uma área avascular (sem sangue) e isolada desde o nascimento, o sistema imunológico não reconhece aquele material gelatinoso como parte do corpo, mas sim como um invasor.

1. Reação Inflamatória

O contato do material discal com os vasos sanguíneos atrai células de defesa, gerando uma inflamação local (que causa dor, mas é necessária para a cura).

2. Neovascularização

O corpo cria novos microvasos sanguíneos ao redor da hérnia para transportar as células de limpeza até o local.

3. Fagocitose

Macrófagos (células que “comem” resíduos) envolvem os fragmentos da hérnia e liberam enzimas que digerem o tecido.

4. Desidratação

O fragmento herniado perde água progressivamente, encolhendo de tamanho (retração) e aliviando a compressão do nervo.

É por isso que hérnias extrusas e sequestradas somem mais rápido: elas rompem o ligamento e ficam expostas a um suprimento de sangue maior, facilitando o ataque do sistema imune. Já as protrusões e abaulamentos permanecem protegidas sob o ligamento, “escondidas” das células de defesa, e por isso tendem a não regredir tanto.

Sintomas: Dor nas Costas ou na Perna?

Nem toda hérnia causa dor, e nem toda dor nas costas é hérnia. A ressonância magnética é muito sensível e detecta alterações em quase todos os adultos, mas a correlação clínica é essencial.

Correlação Clínica: O que o paciente sente vs. O que fazer
Sintoma Principal Provável Causa Conduta Inicial Médica
Lombalgia Axial: Dor centrada no meio das costas, piora ao ficar muito tempo na mesma posição. Degeneração do disco (desidratação), artrose facetária ou contratura muscular. Geralmente não é compressão de nervo. Analgesia, calor local, fortalecimento muscular (Core), correção postural.
Ciatalgia (Radiculopatia): Dor tipo choque/queimação que desce para a perna, glúteo ou pé. Hérnia discal comprimindo uma raiz nervosa (L4, L5 ou S1). Inflamação química do nervo. Medicamentos para dor neuropática, anti-inflamatórios, repouso relativo curto, fisioterapia específica.
Parestesia: Formigamento ou dormência em áreas específicas da perna ou pé. Sofrimento da fibra sensitiva do nervo ciático. Monitoramento neurológico. Se não houver fraqueza motora, mantém-se tratamento conservador.

Tratamento Conservador: A Regra de Ouro

Considerando que a probabilidade de regressão de uma hérnia grande ultrapassa 70%, a cirurgia imediata raramente é a primeira opção (salvo em urgências neurológicas). O objetivo do tratamento conservador não é “colocar o disco no lugar” — isso não é possível mecanicamente —, mas sim controlar a dor e a inflamação enquanto o corpo realiza o processo natural de reabsorção.

1. Manejo Farmacológico

O médico especialista prescreve uma combinação de fármacos para atacar diferentes vias da dor:

  • Corticosteroides orais (ciclo curto): Potentes anti-inflamatórios para reduzir o edema na raiz nervosa.
  • Anticonvulsivantes (Gabapentina/Pregabalina): Modulam a dor neuropática (do nervo), reduzindo a sensação de choque e queimação.
  • Relaxantes Musculares e Analgésicos: Para alívio sintomático e melhora do sono.

2. Infiltrações de Coluna (Bloqueios)

Quando a dor é incapacitante e os remédios orais não surtem efeito, o bloqueio peridural ou transforaminal é uma excelente ferramenta. O médico injeta um corticoide de depósito diretamente no local da hérnia, guiado por radioscopia. Isso “apaga o incêndio” inflamatório, permitindo que o paciente retome a reabilitação e aguarde a regressão da hérnia sem dor intensa.

3. Reabilitação Física

Após a fase aguda de dor, a reabilitação é mandatória. O foco inicial são exercícios de estabilização segmentar vertebral e mobilização neural. Técnicas como a de McKenzie podem ajudar a centralizar a dor. A longo prazo, o fortalecimento da musculatura abdominal e lombar protege a coluna de novas crises.

Sinais de Alerta: Quando a cirurgia é necessária?

Embora a regressão seja provável, não podemos ignorar sinais de que o nervo está sofrendo danos irreversíveis. A espera vigilante tem limites.

🚨

Sinais de Urgência (Red Flags)

Procure atendimento de emergência imediatamente se apresentar:

  • Síndrome da Cauda Equina: Perda de sensibilidade na região genital/anal (“anestesia em sela”) e incontinência urinária ou fecal.
  • Déficit Motor Progressivo: Perda de força clara e rápida (ex: pé caído, incapacidade de ficar na ponta dos pés).
  • Dor Intratável: Dor que não cede nem com morfina ou opióides fortes, impedindo o sono e a alimentação por dias.
Comparativo de Abordagem: Conservador vs. Cirúrgico
Critério Tratamento Conservador Tratamento Cirúrgico
Indicação Principal Dor controlável, ausência de fraqueza grave, hérnias com alto potencial de reabsorção. Falha do conservador (após 6-12 semanas), déficit neurológico progressivo.
Vantagens Evita riscos cirúrgicos (infecção, fibrose), preserva a anatomia original. Resolução rápida da dor na perna, descompressão imediata do nervo.
Resultado em 2 anos Estatisticamente igual ao cirúrgico para a maioria dos casos. Igual ao conservador (a cirurgia acelera a melhora, mas não muda o longo prazo).

Conclusão

O diagnóstico de uma hérnia de disco extrusa ou sequestrada pode assustar pela imagem e pela intensidade da dor inicial, mas a ciência nos mostra que esses são justamente os casos com melhor prognóstico de cura espontânea. O corpo humano tem uma capacidade incrível de regeneração.

“A paciência é uma parte ativa do tratamento da hérnia de disco. Se não houver perigo iminente para o nervo, dar tempo ao corpo — com o suporte adequado de medicamentos e reabilitação — é frequentemente a melhor medicina. Operar uma imagem de ressonância sem considerar a evolução clínica é um erro que deve ser evitado.”

Perguntas Frequentes (FAQ)

Quanto tempo demora para a hérnia regredir?

O processo é gradual. A inflamação aguda costuma melhorar em 4 a 6 semanas. A reabsorção física do fragmento na ressonância pode levar de 3 a 12 meses. O importante é que a dor melhore, mesmo que a imagem demore mais para “limpar”.

Posso fazer quiropraxia para “voltar a hérnia pro lugar”?

Não. É anatomicamente impossível empurrar o núcleo pulposo de volta para dentro do disco com as mãos. A quiropraxia pode ajudar no alívio da dor muscular e mobilidade articular, mas manobras de alta velocidade (estalos) devem ser evitadas na fase aguda de hérnias extrusas.

Repouso absoluto é bom para hérnia de disco?

Não mais. Estudos mostram que repouso absoluto por mais de 2 ou 3 dias atrofia a musculatura e piora a dor crônica. O indicado é repouso relativo (evitar esforços) e manter-se ativo dentro do limite da dor.

O colchão influencia na dor?

Sim. Colchões muito moles deixam a coluna desalinhada, e os muito duros pressionam pontos dolorosos. O ideal é um colchão de densidade intermediária ou firme com pillow top, que mantenha o alinhamento da coluna ao dormir de lado.

Posso voltar a correr ou fazer academia?

Sim, na maioria dos casos. Após o controle da dor e fortalecimento do Core (abdômen e lombar), a atividade física é essencial para prevenir novas crises. O retorno deve ser gradual e supervisionado.

Medicamento “para os nervos” vicia?

Medicamentos como gabapentina e pregabalina não são opióides e não causam dependência química da mesma forma, mas o desmame deve ser lento para evitar sintomas de retirada. Opióides (tramadol, morfina) exigem cautela maior.

O que é “anestesia em sela”?

É a perda de sensibilidade nas partes íntimas (onde tocaria uma sela de cavalo). Isso, junto com dificuldade de urinar, indica Síndrome da Cauda Equina, uma emergência cirúrgica absoluta.

A alimentação ajuda na regressão da hérnia?

Indiretamente, sim. Uma dieta anti-inflamatória (rica em ômega-3, vegetais, pobre em açúcares e processados) ajuda o sistema imunológico e o controle de peso, reduzindo a carga sobre a coluna.

Infiltração é cirurgia?

Não. A infiltração é um procedimento minimamente invasivo, percutâneo (através de agulha), sem cortes (bisturi) e sem necessidade de internação hospitalar prolongada. É considerada um tratamento conservador avançado.

Se a hérnia sumir, ela pode voltar?

Aquele fragmento específico que foi reabsorvido não volta. Porém, o disco continua degenerado e, se o paciente não mantiver hábitos saudáveis e fortalecimento muscular, novas hérnias podem se formar no mesmo nível ou em outros níveis da coluna.

Dr. João Arthur Ferreira

CRM-SP 19759 / RQE 3179 | Atua no tratamento de reabilitação em atletas, dor aguda e dor crônica (cervicalgia, lombalgia, enxaqueca). Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura. Colaborador do CEIMEC – Centro de Estudo Integrado de Medicina Chinesa

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