CENTRO DE TRATAMENTO DE DOR: Dor, Acupuntura Médica, Ondas de Choque, Fisiatria e Fisioterapia.

Posso tomar remédios para dor para sempre?

O Dilema dos Medicamentos: Alívio Necessário ou Risco Silencioso?

Uma das cenas mais recorrentes no consultório de um especialista em dor é o paciente que chega com uma sacola cheia de caixas de remédios, coloca-a sobre a mesa e pergunta com um olhar de angústia: “Doutor, tomar tudo isso vai acabar com o meu fígado? Eu vou ficar viciado? Isso não faz mal a longo prazo?”.

Essa preocupação é legítima e demonstra um instinto de autopreservação saudável. No entanto, existe também o cenário oposto: o paciente que pratica a automedicação crônica, consumindo analgésicos e anti-inflamatórios de venda livre (OTC) como se fossem balas, sem qualquer supervisão médica, ignorando os riscos reais que essas substâncias “inocentes” podem acarretar aos rins e ao estômago.

Para navegar com segurança nesse terreno, precisamos desconstruir mitos e entender a farmacologia moderna. A resposta para a pergunta “faz mal usar remédio por muito tempo?” não é um simples “sim” ou “não”. Ela depende de qual remédio, para qual paciente e sob qual estratégia de monitoramento. A dor crônica é uma doença complexa, e seu tratamento exige uma abordagem racional, onde o medicamento é uma ferramenta, não uma muleta eterna.

❌ Mito Comum

“Se eu tomar remédio para dor todo dia, vou ficar viciado e meu corpo vai parar de responder ao medicamento, me obrigando a aumentar a dose infinitamente.”

✅ Realidade Médica

Dependência química (vício) é rara em pacientes com dor real tratados corretamente. O que ocorre é a tolerância (necessidade de ajuste). Além disso, muitos remédios modernos para dor crônica (anticonvulsivantes) não causam tolerância.

Mudança de Paradigma: A Dor como Doença Crônica

Para entender a justificativa do uso prolongado de fármacos, é essencial diferenciar a dor aguda da dor crônica. A dor aguda (como a de um corte ou queimadura) é um sintoma, um alarme biológico avisando que há uma lesão tecidual. Já a dor crônica (aquela que persiste por mais de 3 meses) deixa de ser um sintoma e passa a ser a própria doença.

O sistema nervoso sofre um processo chamado neuroplasticidade mal-adaptativa. Os nervos aprendem a sentir dor e disparam sinais mesmo sem uma lesão ativa. Nesses casos, não medicar é muitas vezes pior do que medicar.

A Analogia da Hipertensão e Diabetes

Ninguém questiona um paciente hipertenso por tomar seu anti-hipertensivo diariamente, nem acusa um diabético de ser “dependente” de insulina. Entende-se que essas medicações são necessárias para manter a fisiologia do corpo equilibrada e evitar catástrofes (AVC, infarto).

O mesmo raciocínio aplica-se à Dor Crônica. Medicamentos como a gabapentina, pregabalina ou duloxetina, quando usados continuamente, atuam modulando os neurotransmissores para “abaixar o volume” do sistema nervoso, permitindo que o paciente retome sua funcionalidade. O objetivo não é apenas o alívio, mas a neuroproteção: impedir que a dor cause atrofia cerebral e depressão severa, fatos comprovados cientificamente em pacientes não tratados.

A Verdade Sobre os Medicamentos: O Que Realmente Faz Mal?

Nem todo remédio para dor é igual. O maior perigo para a saúde pública não reside nos medicamentos controlados prescritos por especialistas, mas sim nos medicamentos de venda livre que os pacientes consomem como se fossem inócuos. Vamos analisar as principais classes:

1. Anti-inflamatórios Não Esteroidais (AINEs)

Medicamentos como Diclofenaco, Ibuprofeno, Naproxeno, Cetoprofeno e Nimesulida são os grandes vilões do uso crônico. Embora excelentes para dores agudas (máximo 5 a 7 dias), seu uso contínuo é devastador.

Rins (Nefrotoxicidade)

Os AINEs reduzem o fluxo de sangue para os rins. O uso crônico leva à insuficiência renal silenciosa e irreversível, sendo uma das maiores causas de diálise no mundo.

Estômago (Gastrolesão)

Inibem as prostaglandinas que protegem a parede do estômago. O risco de gastrite, úlcera e hemorragia digestiva aumenta em 4x com o uso contínuo.

Coração (Risco Cardiovascular)

Aumentam a pressão arterial e o risco de trombose, elevando a chance de infarto e AVC, especialmente em hipertensos.

2. Analgésicos Simples (Dipirona e Paracetamol)

São consideravelmente mais seguros para uso a longo prazo do que os anti-inflamatórios, mas não isentos de riscos. O Paracetamol, em doses altas (acima de 3-4g/dia), é extremamente tóxico para o fígado (hepatotóxico). A Dipirona é muito segura para a maioria da população, exceto alérgicos, e não causa danos gástricos ou renais significativos nas doses usuais, sendo uma base sólida para o manejo da dor crônica.

3. Corticoides (Dexametasona, Prednisona)

Muitas vezes presentes em fórmulas de farmácia para “dor nas costas” (frequentemente associados a vitaminas B). O uso crônico de corticoides é perigoso, podendo causar diabetes, osteoporose, ganho de peso, glaucoma e supressão da imunidade. Devem ser restritos a crises agudas.

4. Opioides (Morfina, Tramadol, Codeína)

O medo do vício (dependência psíquica) é o maior entrave aqui. No entanto, na dor crônica, o risco real é a dependência física (o corpo acostumar), constipação intestinal severa e alterações hormonais (queda de testosterona/libido). São medicamentos seguros para órgãos vitais (não estragam rim ou fígado), mas exigem manejo rigoroso dos efeitos colaterais sistêmicos.

Tabela 1: Perfil de Segurança por Tempo de Uso
Classe Medicamentosa Uso Agudo (< 1 semana) Uso Crônico (> 3 meses) Risco Principal
Anti-inflamatórios (AINEs) Seguro (se função renal normal) Alto Risco (Contraindicado) Rim, Estômago, Coração
Analgésicos Simples Muito Seguro Moderado (Monitorar fígado) Hepatotoxicidade (Paracetamol)
Opioides Seguro (cuidado c/ sedação) Moderado (Requer manejo) Constipação, Dependência Física
Adjuvantes (Gabapentinoides) Efeitos colaterais iniciais Seguro (Ideal p/ longo prazo) Sonolência, Ganho de peso

Os “Remédios de Cabeça” que Tratam o Corpo

Muitos pacientes se assustam quando o médico prescreve um antidepressivo ou um anticonvulsivante para tratar uma dor na coluna ou uma fibromialgia. “Mas doutor, eu não sou louco nem epilético!”.

Essa é a classe dos Adjuvantes ou Moduladores de Dor. Eles são a pedra angular do tratamento crônico seguro. Medicamentos como Pregabalina, Gabapentina, Amitriptilina, Duloxetina e Venlafaxina não funcionam como analgésicos imediatos. Eles agem “consertando” a fiação elétrica dos nervos e aumentando a produção de substâncias naturais do corpo que inibem a dor (serotonina e noradrenalina). Como não atacam o estômago nem os rins como os anti-inflamatórios, eles podem e devem ser usados por meses ou anos, permitindo uma qualidade de vida superior.

O Medicamento é a Ponte, Não o Destino

A resposta para “terei que tomar remédio para sempre?” depende do que mais você está fazendo além de tomar o remédio. A medicação serve para abrir uma janela de oportunidade. Sem dor, o paciente consegue se mover. Movendo-se, ele faz reabilitação. Fazendo reabilitação, ele fortalece o corpo e corrige a causa mecânica da dor, permitindo que o remédio seja retirado no futuro.

Se o paciente apenas toma o remédio e mantém o sedentarismo, a má postura e o estresse, ele certamente ficará refém da medicação vitalícia e com doses crescentes.

🚀 A Curva de Tratamento Ideal

Fase 1
Crise Aguda

Predomínio de Medicamentos (Bloqueio da dor) + Repouso Relativo.

Fase 2
Transição

Medicamentos Estabilizadores + Início de Fisioterapia/Acupuntura.

Fase 3
Manutenção

Redução gradual dos remédios (Desmame) + Fortalecimento Muscular (Pilates/Musculação).

Fase 4
Alta Farmacológica

Dor controlada apenas com estilo de vida ativo e terapias físicas.

Protocolo de Segurança para Uso Contínuo

Para pacientes que necessitam de uso prolongado (devido a condições como artrite reumatoide, neuropatias graves ou câncer), é possível minimizar os danos seguindo regras estritas de monitoramento.

Tabela 2: Rotina de Vigilância para Pacientes em Tratamento Crônico
Ação Frequência Objetivo
Exames de Sangue (TGO/TGP, Creatinina) A cada 4 a 6 meses Detectar lesão hepática ou renal silenciosa antes que se torne grave.
Hidratação Rigorosa Diariamente (2 a 3 litros) Proteger os rins, facilitando a filtração e excreção dos metabólitos dos remédios.
Proteção Gástrica Conforme prescrição Uso de inibidores de bomba (ex: omeprazol) se houver uso obrigatório de AINEs ou AAS.
Revisão de Interações A cada nova receita Evitar o “coquetel tóxico” (ex: misturar anti-inflamatório com remédio de pressão).

⚠️ Sinais de Alerta: Quando parar e buscar ajuda

  • Fezes escurecidas ou com sangue: Sinal de sangramento gástrico (úlcera).
  • Inchaço repentino nas pernas/rosto: Sinal de retenção hídrica e sobrecarga renal.
  • Pele ou olhos amarelados (Icterícia): Sinal de toxicidade hepática.
  • Sonolência excessiva ou confusão: Sinal de superdose ou acúmulo de medicação (especialmente em idosos).

💡 A Regra do “Desmame”

“Nunca pare uma medicação de uso crônico de forma abrupta (‘cold turkey’). Muitos medicamentos para dor, especialmente opioides, antidepressivos e anticonvulsivantes, causam síndrome de abstinência ou efeito rebote (a dor volta pior do que antes) se cortados de repente. O segredo para sair dos remédios é a redução lenta e gradual, guiada pelo médico, muitas vezes ao longo de semanas ou meses, enquanto o corpo readapta seus receptores.”

Conclusão

Usar remédios para dor por muito tempo faz mal? A resposta correta é: o uso indiscriminado e sem monitoramento faz mal. O uso terapêutico, racional e supervisionado devolve a vida. O verdadeiro perigo não está na prescrição médica adequada, mas na dor não tratada que incapacita, na automedicação de farmácia e na crença de que o remédio resolverá o problema sozinho sem mudanças no estilo de vida. Encare o medicamento como um aliado temporário, respeite seus riscos e foque na reabilitação integral.

Perguntas Frequentes (FAQ)

Posso tomar dorflex ou neosaldina todo dia?

Não é recomendado. O uso diário de analgésicos comuns pode causar a chamada “Cefaleia por Uso Excessivo de Medicamentos” (a dor de cabeça volta justamente porque o efeito do remédio passou), além de sobrecarregar o fígado e rins ao longo dos anos.

O que é pior: injeção ou comprimido?

Existe um mito de que injeção “ataca menos” o estômago. Isso é falso para anti-inflamatórios. O mecanismo de lesão gástrica é via corrente sanguínea (inibição de prostaglandinas), então tanto faz se você engoliu ou injetou, o risco de gastrite é o mesmo.

Remédio natural (fitoterápico) pode usar à vontade?

Não. “Natural” não significa “seguro”. Ervas como Unha de Gato ou Garra do Diabo têm princípios ativos químicos que interagem com outros remédios (como anticoagulantes) e são metabolizados pelo fígado. Devem ser usados com orientação.

Gabapentina engorda?

Pode ocorrer ganho de peso em alguns pacientes, geralmente devido ao aumento do apetite ou retenção de líquidos. Isso é manejável com dieta e exercícios, que já devem fazer parte do tratamento da dor.

Posso beber álcool tomando remédio de dor?

Evite. O álcool com paracetamol aumenta drasticamente o risco de hepatite fulminante. O álcool com opioides ou relaxantes musculares potencializa a sedação e o risco de parada respiratória. O álcool com anti-inflamatórios irrita ainda mais o estômago.

Como saber se estou viciado?

Sinais de vício (transtorno por uso de substância) incluem: tomar o remédio para fins não terapêuticos (para “relaxar” ou “fugir”), perder o controle da dose (tomar mais do que o prescrito), e comportamentos de busca compulsiva (ir a vários médicos para conseguir receitas).

A dipirona baixa a pressão?

Sim, pode causar hipotensão, especialmente se administrada muito rápido na veia. Em comprimidos, esse efeito é muito raro e leve na maioria das pessoas. É um dos analgésicos mais seguros para hipertensos.

Existe anti-inflamatório que não ataca o rim?

Não existe AINE totalmente seguro para o rim. Os inibidores da COX-2 (coxibes) são mais seguros para o estômago, mas mantêm o risco renal e cardiovascular. Idosos e renais crônicos devem evitar a classe inteira.

Tramadol causa alucinação?

Pode causar confusão mental e sonhos vívidos, especialmente em idosos ou no início do tratamento. Isso geralmente melhora após alguns dias ou com ajuste de dose. Informe seu médico.

O que é “proteção gástrica”?

É o uso de medicamentos como omeprazol ou pantoprazol para reduzir a acidez do estômago. Eles são indicados quando o paciente precisa obrigatoriamente usar medicamentos agressivos (como corticoides ou AINEs) por um período.

Relaxante muscular vicia?

O carisoprodol (presente em muitos relaxantes compostos) tem potencial de abuso e tolerância. Já a ciclobenzaprina causa muita sonolência, mas tem menor risco de dependência química. Devem ser usados por curtos períodos.

Dr. Marcus Yu Bin Pai

CRM-SP: 158074 / RQE: 65523 - 65524 | Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura. Área de Atuação em Dor pela AMB. Doutorado em Ciências pela USP. Pesquisador e Colaborador do Grupo de Dor do Departamento de Neurologia do HC-FMUSP. Diretor de Marketing do Colégio Médico de Acupuntura do Estado de São Paulo (CMAeSP). Integrante da Câmara Técnica de Acupuntura do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP). Secretário do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED). Presidente do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira de Regeneração Tecidual (SBRET). Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Dor da Universidade de São Paulo (USP). Membro do Conselho Revisor - Medicina Física e Reabilitação da Journal of the Brazilian Medical Association (AMB).  

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