Atualmente, diretrizes de entidades como a American Geriatrics Society reconhecem que, quando bem indicados, os opioides são não apenas eficazes, mas muitas vezes mais seguros do que o uso crônico de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs, como diclofenaco e ibuprofeno), que carregam riscos elevados de sangramento gástrico, insuficiência renal e eventos cardiovasculares em idosos. O segredo não está em proibir o uso, mas em dominar a estratégia de administração.
🚫 O Perigo dos Anti-inflamatórios (AINEs)
Embora populares, são vilões silenciosos para o idoso:
- Lesão renal aguda e crônica.
- Aumento da pressão arterial.
- Risco de úlcera e hemorragia digestiva.
- Retenção de líquidos (inchaço).
💊 O Papel dos Opioides
Quando os analgésicos simples falham:
- Não lesionam o estômago.
- Não afetam diretamente os rins.
- Potência analgésica sem teto (ajustável).
- Melhora do sono e mobilidade se bem dosados.
Por que o corpo do idoso reage diferente?
Um erro comum é tratar o idoso como um “adulto enrugado”. A fisiologia do envelhecimento altera drasticamente a farmacocinética (como o corpo processa a droga) e a farmacodinâmica (como a droga age no corpo). O lema geriátrico universal é: “Start low, go slow” (Comece com doses baixas e aumente lentamente).
O fígado e os rins, órgãos responsáveis por “limpar” o medicamento do sangue, trabalham em ritmo reduzido. Além disso, o cérebro do idoso é naturalmente mais sensível aos efeitos sedativos. Uma dose de codeína que mal faria cócegas em um adulto de 30 anos pode deixar um idoso de 80 anos confuso e sonolento por horas.
⏳ O Relógio Biológico e os Medicamentos
Menos Água Corporal
Drogas hidrossolúveis (como morfina) ficam mais concentradas no sangue.
Mais Gordura
Drogas lipossolúveis (como fentanil) acumulam-se e demoram mais a sair do corpo.
Receptores Sensíveis
O sistema nervoso central precisa de menos droga para obter o mesmo efeito.
Clearance Renal
Rins filtram menos, aumentando o tempo de meia-vida do fármaco.
Gerenciando os Riscos: O que a família precisa saber
O uso seguro de opioides em idosos depende de antecipação. Não se deve esperar o efeito colateral aparecer para tratá-lo; deve-se preveni-lo. Os três pilares de atenção são: intestino, cognição e equilíbrio.
| Efeito Adverso | Por que ocorre no idoso? | Estratégia Obrigatória |
|---|---|---|
| Constipação (Prisão de ventre) | O opioide paralisa o movimento do intestino. Idosos já possuem trânsito lento e bebem pouca água. | Prescrição casada: Todo opioide deve vir acompanhado de laxante profilático. Hidratação rigorosa. |
| Sedação e Quedas | Tontura e reflexos lentos aumentam drasticamente o risco de fratura de fêmur. | Retirar tapetes, usar luz noturna, evitar doses antes de caminhar. Ajuste de dose. |
| Delirium (Confusão mental) | Cérebro frágil. Pode gerar alucinações ou desorientação súbita. | Evitar em pacientes com demência avançada que moram sozinhos. Iniciar com 25-50% da dose. |
| Retenção Urinária | Comum em homens com próstata aumentada. | Monitorar o volume de urina e dificuldade para iniciar a micção. |
A Questão da Constipação
Diferente da sonolência, que o corpo “acostuma” (cria tolerância) após alguns dias, o intestino nunca cria tolerância aos opioides. Se o idoso tomar opioide por 10 anos, ele terá constipação por 10 anos se não for tratado. A impactação fecal pode simular quadros de confusão mental e dor abdominal aguda.
Polifarmácia: A Mistura Perigosa
O idoso médio toma de 4 a 7 medicamentos diferentes. A introdução de um opioide nesse coquetel exige revisão minuciosa (“deprescrição”) para evitar interações potencialmente fatais.
Alerta Vermelho: Benzodiazepínicos + Opioides
A combinação de opioides com “calmantes” para dormir (Clonazepam, Diazepam, Alprazolam, Bromazepam) é a principal causa de superdose e depressão respiratória em idosos.
Ambos deprimem o sistema nervoso central. Se possível, o médico deve suspender ou reduzir drasticamente o calmante ao iniciar o analgésico.
O Caso Específico do Tramadol
O Tramadol é muito utilizado por ser um “opioide fraco”, mas possui peculiaridades. Ele age também na serotonina. Por isso, deve ser usado com extrema cautela em idosos que tomam antidepressivos (risco de síndrome serotoninérgica) e é contraindicado em pacientes com histórico de epilepsia, pois reduz o limiar convulsivo.
Protocolo de Segurança Domiciliar
Para garantir a eficácia do tratamento sem comprometer a segurança, familiares e cuidadores devem seguir um roteiro rigoroso. A organização do ambiente é tão importante quanto a dose do remédio.
📝 Checklist do Cuidador/Familiar
- ✔
Organizador de Pílulas: Idosos podem esquecer que já tomaram e repetir a dose (superdose acidental). O controle deve ser de um terceiro responsável se houver déficit cognitivo. - ✔
Hidratação Forçada: Oferecer água mesmo sem sede para auxiliar o rim e o intestino. - ✔
Prevenção de Quedas: Retirar tapetes soltos, instalar barras no banheiro. A tontura é comum na primeira semana. - ✔
Diário da Dor: Anotar horários de dor e efeito da medicação para ajuste médico, evitando doses extras desnecessárias.
| Fármaco | Particularidade no Idoso |
|---|---|
| Codeína | Causa muita constipação e náusea. Sua eficácia depende de metabolismo hepático, que pode ser falho em alguns idosos (não faz efeito). |
| Tramadol | Risco de tontura, náusea e hiponatremia (baixa de sódio). Cuidado com antidepressivos. |
| Adesivos (Buprenorfina/Fentanil) | Ótimos para evitar esquecimento (troca a cada 3 ou 7 dias). Porém, em idosos muito magros (pouca gordura) ou com febre, a absorção pode ser errática. |
| Morfina/Oxicodona | Padrão ouro para dor severa. Exigem monitoramento renal rigoroso, pois metabólitos ativos podem acumular e causar sedação prolongada. |
💡 Dica de Ouro: A “Janela de 3 Dias”
Ao iniciar ou aumentar a dose de um opioide em um idoso, considere um período de observação de 72 horas (3 dias). É o tempo necessário para a droga atingir o equilíbrio no sangue (estado de equilíbrio estacionário). Se o paciente ficar sonolento nesse período, não insista; contate o médico. Se a náusea aparecer, ela costuma passar após esse período. Paciência e observação são chaves.
Conclusão
Os opioides não devem ser temidos, mas sim respeitados. Para o idoso com dor crônica incapacitante, que não consegue mais caminhar ou dormir, esses medicamentos podem devolver a dignidade e a qualidade de vida. O sucesso do tratamento reside no trinômio: dose baixa inicial, vigilância ativa de efeitos colaterais e descontinuação de medicamentos desnecessários que interagem negativamente.
Perguntas Frequentes (FAQ)
Meu pai vai ficar viciado se tomar morfina?
É muito improvável. Em idosos com dor genuína, o risco de vício (dependência psíquica/abuso) é baixíssimo. O que ocorre é a dependência física (o corpo acostuma), o que significa que o remédio não pode ser cortado de uma vez, devendo ser reduzido gradualmente (desmame) quando não for mais necessário.
Ele fica falando coisas sem sentido (“biruta”). É o remédio?
Possivelmente. Opioides podem causar confusão mental (delirium), especialmente no início ou se houver desidratação e infecção associada. Isso é reversível com ajuste de dose ou troca da medicação. Informe o médico imediatamente.
Posso partir o comprimido ao meio?
Depende. Comprimidos de liberação prolongada (geralmente com siglas como CR, Retard, LP) JAMAIS podem ser partidos, mastigados ou triturados, pois isso libera uma dose fatal de uma só vez. Comprimidos simples geralmente podem ser fracionados. Sempre leia a bula ou pergunte ao farmacêutico.
O que fazer se ele esquecer de tomar a dose?
Nunca dobre a próxima dose para compensar. Se estiver próximo do horário da seguinte, pule a esquecida. Se tiver passado pouco tempo, tome a esquecida e ajuste os próximos horários. A superdose é mais perigosa que a falta de uma dose.
Adesivo é melhor que comprimido?
Para idosos com dificuldade de engolir ou problemas de memória, os adesivos transdérmicos são excelentes. Porém, são difíceis de ajustar doses (titular) e o efeito demora a passar se houver intoxicação. Geralmente reservados para dor estável.
Idoso tomando opioide pode dirigir?
No início do tratamento ou reajuste de dose, definitivamente não. Se o paciente estiver estável há meses, sem sonolência e com cognição preservada, pode ser avaliado, mas a recomendação geral é evitar devido aos reflexos lentificados.
O intestino travou mesmo com laxante. O que fazer?
Não deixe passar de 3 dias sem evacuar. Pode ser necessário lavagem intestinal ou supositório. O médico deve ser consultado para trocar o tipo de laxante ou aumentar a dose. A impactação fecal é grave em idosos.
Dipirona e Paracetamol ajudam?
Sim. Manter analgésicos simples junto com o opioide ajuda a poupar a dose do opioide (efeito sinérgico), permitindo usar doses menores e reduzindo efeitos colaterais.
Como identificar superdose em casa?
Sinais de alerta: respiração muito lenta e superficial (menos de 10 por minuto), dificuldade extrema de acordar o paciente, lábios ou pontas dos dedos arroxeados, pupilas puntiformes (muito pequenas). Chame o SAMU imediatamente.
Pode beber álcool tomando esses remédios?
Não. O álcool potencializa o efeito sedativo e depressor respiratório dos opioides. A mistura pode levar a quedas graves, broncoaspiração (engasgo) e parada respiratória.
