O produto, que equilibraria nosso magnetismo, é vendido na internet para combater dores e outras doenças. Mas suas promessas não fazem sentido
Por Chloé Pinheiro
16 jan 2020, 11h03 – Publicado em 13 jan 2020, 12h26
Uma pulseira com ímãs, vendida há anos na internet, voltou a ganhar popularidade. Ela combateria diabetes, insônia, fadiga, dores crônicas, depressão e ansiedade. Tudo isso atraindo a “ressonância da Terra”, ou ressonância de Schumann, para o corpo. Daí seu apelido: pulseira de Schumann. Mas será que ela funciona mesmo ou é mais uma notícia falsa?
Como todo produto supostamente milagroso, esse bracelete, que custa cerca de 200 reais, está longe de cumprir o que promete. Vamos por partes.
Primeiro, a ressonância de Schumann é um fenômeno magnético. Estamos falando de mais um entre tantos outros que ocorrem no planeta, sem efeitos conhecidos no corpo humano.
O nome vem de Winfried Otto Schumann, o primeiro físico a propor a existência de ressonâncias na Terra, em 1952, provocadas por oscilações no campo eletromagnético que começa no centro do planeta e vai até a ionosfera, última camada da atmosfera. Geralmente, essas oscilações são provocadas por raios.
É mais ou menos assim: a descarga elétrica de um raio gera uma leve perturbação no campo eletromagnético terrestre. Essa perturbação dispara ondas eletromagnéticas em todas as direções, que ao interagirem com esse campo formam a ressonância de Schumann.
“Ressonância é um processo presente no dia a dia das pessoas. Um exemplo é o caso das cordas de um violão, que, ao vibrarem na sua frequência natural, entram em ressonância, levando à uma amplificação do som”, comenta o geofísico Maurício de Souza Bologna, pós-doutor pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e pela Universidade do Estado do Oregon, nos Estados Unidos.
A frequência das tais ondas desencadeadas pelos raios é registrada em hertz – a mais famosa da ressonância de Schumann possui 7,83hz. Para muitas crenças, mitologias e religiões orientais, o número é mágico. Eis que a pulseira conseguiria atrair essa frequência para supostamente equilibrar o corpo. Segundo os textos que a defendem, essa seria a frequência natural da Terra.
“7,83hz representa a frequência natural do espaço entre a terra e a ionosfera, mas a ressonância em si é um conjunto de frequências formado por essa frequência fundamental e seus harmônicos”, explica Bologna, que é professor da Universidade de São Paulo (USP). Além dessas, há muitas outras frequências existentes na atmosfera.
A ressonância de Schumann é usada, por exemplo, para medir de maneira indireta as descargas elétricas na atmosfera, estudar a composição da ionosfera e até para fazer uma espécie de “ressonância magnética” que sonda os primeiros quilômetros do interior da terra. E para por aí.
A promessa de que, com ímãs especiais, a pulseira captaria uma frequência específica e “sintonizaria” o magnetismo do corpo com o da Terra é falsa. “O corpo humano não sofre o efeito das alterações no campo eletromagnético. Seria necessário um campo muito forte para movimentar nossos átomos de maneira diferente”, explica Francisco Eduardo Gontijo Guimarães, também doutor em física e professor do Instituto de Física de São Carlos, da USP.
Tanto é que diagnosticamos doenças com máquinas de ressonância magnética que têm um ímã bem mais potente que o da pulseira, sem nenhum efeito colateral por isso.
E o tal biomagnetismo?
A alegação principal da pulseira é usar a ressonância de Schumann para equilibrar nosso biomagnetismo. A palavra até existe, mas se refere apenas ao nome dos fenômenos magnéticos que ocorrem nos organismos vivos. Ou seja, é o mesmo magnetismo da física, só que no âmbito biológico.
O problema é que o termo acabou virando sinônimo de tratar dores e curar doenças com ímãs. “Basicamente, dão uma exagerada na sua intensidade e relevância”, resume o médico Marcus Yu Bin Pai, acupunturista e pesquisador do Grupo de Dor do Hospital das Clínicas da USP.
“Certas terapias alternativas envolvem o uso de ímãs, mas nunca se comprovou um benefício disso”, aponta Pai. Aliás, uma revisão sistemática com mais de 30 estudos, publicada em 2007 por cientistas britânicos no Canadian Medical Association Journal, aponta para a ineficácia do método.
“Se houvesse algum efeito, provavelmente seria necessário um imã muito mais potente para atingir o cérebro, onde ocorre o processamento da dor. E não um pequeno, localizado no punho”, completa. Eis aí outro problema: não dá nem para saber a potência real do ímã na pulseirinha.
Vale pensar nesses pontos antes de investir no acessório. Porque, segundo a ciência, ele não vai tratar doenças, tampouco minimizar dores.