CENTRO DE TRATAMENTO DE DOR: Dor, Acupuntura Médica, Ondas de Choque, Fisiatria e Fisioterapia.

8 curiosidades que você não conhecia sobre a dor

 

A Fisiopatologia da Dor: Muito Além de um Sinal de Alerta

A dor é uma experiência sensorial e emocional desagradável, classicamente associada a uma lesão tecidual real ou potencial. No entanto, a compreensão médica contemporânea, alinhada às diretrizes da Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), reconhece a dor como um fenômeno complexo e multidimensional. Ela não é apenas uma resposta reflexa a um estímulo nocivo, mas uma construção do sistema nervoso central que envolve processamento cognitivo, emocional e contextual.

Clinicamente, a distinção fundamental reside entre a dor aguda e a dor crônica. A dor aguda atua como um mecanismo de proteção biológica, alertando o organismo sobre danos imediatos (como uma queimadura ou fratura) e desencadeando reflexos de retirada e comportamentos de proteção para permitir a cura. Ela é autolimitada e cessa com a resolução da lesão.

A dor crônica, por outro lado, perde sua função biológica de alerta e torna-se patológica. Definida como aquela que persiste além do tempo normal de cura do tecido (geralmente superior a três meses), a dor crônica envolve alterações neuroplásticas mal-adaptativas. O sistema nervoso sofre um processo de sensibilização central, onde os neurônios tornam-se hiperexcitáveis e passam a interpretar estímulos inofensivos como dolorosos (alodinia) ou amplificam a resposta a estímulos dolorosos leves (hiperalgesia). Estima-se que mais de 50 milhões de brasileiros vivam com dor crônica, uma prevalência que supera a soma de diagnósticos de diabetes, câncer e doenças cardíacas.

Dicotomia Clínica: Aguda vs. Crônica

Dor Aguda (Sintoma)

Função: Proteção e alerta.
Duração: Curta (dias a semanas).
Causa: Lesão tecidual clara.
Tratamento: Resolução da causa base e analgesia temporária.

Dor Crônica (Doença)

Função: Nenhuma função biológica útil.
Duração: Persistente (> 3-6 meses).
Causa: Neuroplasticidade, sensibilização central, fatores psicossociais.
Tratamento: Manejo multimodal, reabilitação funcional e cognitivo-comportamental.

1. A Intersecção Neurobiológica: Dor Física e Emocional

A dor nunca é um evento puramente físico. As vias neurais que transmitem a dor (tratos espinotalâmicos) projetam-se não apenas para o córtex somatossensorial (que diz “onde” e “quanto” dói), mas também para o sistema límbico, incluindo a amígdala e o giro do cíngulo anterior. Estas são as áreas cerebrais responsáveis pela regulação emocional, medo e ansiedade.

Isso explica o ciclo vicioso frequentemente observado na clínica de dor: a dor crônica gera estresse fisiológico, elevando os níveis de cortisol e catecolaminas. Este estado de estresse crônico induz ansiedade e depressão, condições que, por sua vez, reduzem o limiar de dor do paciente devido à depleção de neurotransmissores inibitórios como a serotonina e a noradrenalina. O tratamento eficaz, portanto, deve abordar tanto a nocicepção (o sinal de dor) quanto o sofrimento emocional associado.

2. Dimorfismo Sexual na Percepção da Dor

Evidências epidemiológicas e laboratoriais sugerem diferenças consistentes na experiência dolorosa entre homens e mulheres. Mulheres apresentam maior prevalência de diversas condições de dor crônica, incluindo fibromialgia, enxaqueca, síndrome do intestino irritável e osteoartrite.

Os mecanismos propostos são multifatoriais:

  • Modulação Hormonal: O estrogênio e a progesterona possuem efeitos complexos sobre o sistema nervoso central, podendo atuar tanto como pro-nociceptivos quanto antinociceptivos dependendo da fase do ciclo menstrual e dos níveis séricos. A queda de estrogênio, por exemplo, é um gatilho conhecido para enxaquecas.
  • Farmacodinâmica: Estudos farmacológicos indicam que homens e mulheres metabolizam analgésicos de forma distinta. A resposta aos opioides, por exemplo, varia devido a diferenças na densidade e distribuição dos receptores opioides mu e kappa no cérebro.
  • Fatores Psicossociais: Mecanismos de enfrentamento (coping) e a catastrofização da dor podem manifestar-se diferentemente, influenciados por fatores culturais e sociais.

Destaque Epidemiológico

Estudos clínicos indicam que mulheres podem apresentar um limiar de dor mais baixo e uma tolerância menor a estímulos dolorosos experimentais (térmicos e mecânicos) comparadas aos homens, sugerindo uma base biológica para a maior prevalência de síndromes dolorosas no sexo feminino.

3. O Paradoxo do Cérebro: Intérprete, mas Insensível

O cérebro é o órgão final de processamento de toda a dor corporal. Sem o cérebro, não há experiência de dor. No entanto, o parênquima cerebral (o tecido funcional do cérebro) é desprovido de nociceptores, os receptores sensoriais que detectam danos teciduais. Isso significa que o cérebro, por si só, não pode “sentir” dor.

As dores de cabeça (cefaleias) não se originam no tecido cerebral, mas sim na irritação ou tração das estruturas sensíveis que o envolvem: as meninges (membranas que cobrem o cérebro), os grandes vasos sanguíneos arteriais e venosos, e os músculos do pericrânio e pescoço. Esta característica anatômica permite a realização de neurocirurgias com o paciente acordado (“awake craniotomy”), onde a anestesia local é aplicada apenas no couro cabeludo e tecidos moles, permitindo que o cirurgião mapeie funções vitais como a fala e o movimento em tempo real enquanto manipula o tecido cerebral indolor.

4. Lombalgia: A Epidemia Silenciosa e seu Manejo

A lombalgia inespecífica permanece como a principal causa de incapacidade no mundo. A maioria dos casos não está associada a patologias graves (como câncer ou fraturas), mas sim a disfunções biomecânicas, sedentarismo e desequilíbrios musculares. O tratamento moderno afastou-se do repouso no leito — que hoje sabe-se ser prejudicial — para uma abordagem ativa.

Abordagens Não Cirúrgicas

A cirurgia de coluna é indicada para uma minoria de casos (menos de 5%). O padrão-ouro de tratamento envolve:

  • Farmacoterapia Otimizada: Uso racional de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) nas fases agudas, relaxantes musculares e, em casos crônicos, antidepressivos duais (como duloxetina) e gabapentinoides para modulação da dor neuropática.
  • Reabilitação Funcional: Programas supervisionados de fortalecimento do core (centro de força), estabilização segmentar vertebral e melhora da flexibilidade.
  • Terapias Minimamente Invasivas: Infiltrações facetárias, bloqueios epidurais e radiofrequência para casos refratários.
  • Acupuntura Médica: Evidências robustas suportam o uso da acupuntura para alívio da dor lombar crônica, atuando através da liberação de opioides endógenos e modulação das vias descendentes de inibição da dor.
Tabela 1: Classes Medicamentosas Comuns no Tratamento da Dor Crônica
Classe Mecanismo Principal Indicação Típica
AINEs (ex: Ibuprofeno) Inibição da COX e redução de prostaglandinas. Dor nociceptiva, inflamatória aguda, artrite.
Anticonvulsivantes (ex: Pregabalina) Bloqueio de canais de cálcio, reduzindo a excitabilidade neuronal. Dor neuropática, radiculopatia (ciática), fibromialgia.
Antidepressivos Duais (ex: Duloxetina) Aumento de serotonina e noradrenalina nas vias inibitórias. Dor lombar crônica, dor neuropática, osteoartrite.
Opioides (ex: Codeína, Tramadol) Ligação a receptores mu-opioides no SNC. Dor moderada a severa refratária (uso cauteloso).

5. Gota: A Doença Metabólica Articular

Historicamente conhecida como a “doença dos reis” devido à sua associação com dietas ricas em carnes, frutos do mar e álcool, a gota é uma artropatia inflamatória causada pela deposição de cristais de monourato de sódio nas articulações. Isso ocorre devido à hiperuricemia sustentada (níveis elevados de ácido úrico no sangue).

A dor da crise de gota é descrita como uma das mais intensas na medicina, frequentemente afetando a primeira articulação metatarsofalangeana (o “dedão” do pé). O manejo não cirúrgico é altamente eficaz e baseia-se em dois pilares:

  1. Tratamento da Crise Aguda: Uso de colchicina, anti-inflamatórios potentes ou corticoides para cessar a inflamação imediata.
  2. Terapia Hipouricemiante: Uso contínuo de alopurinol ou febuxostate para reduzir a produção de ácido úrico, prevenindo novas crises e a formação de tofos gotosos (depósitos endurecidos).

6 e 7. Osteoartrite: Rompendo o Mito do Repouso

A osteoartrite (ou artrose) é frequentemente mal compreendida como um simples “desgaste” passivo da articulação, análogo a um pneu gasto. Na realidade, é uma doença ativa que envolve a degradação da cartilagem, remodelação óssea (osteófitos) e inflamação da membrana sinovial. Evidências arqueológicas mostram que a osteoartrite aflige a humanidade há milênios, estando presente até em múmias egípcias.

O Exercício como Agente Modificador da Doença

O conceito de que “se dói, deve-se repousar” é um dos mitos mais prejudiciais no manejo da osteoartrite. A cartilagem articular não possui suprimento sanguíneo direto (é avascular); ela depende da difusão de nutrientes presentes no líquido sinovial. Essa difusão é drasticamente aumentada pelos ciclos de compressão e descompressão gerados pelo movimento.

O sedentarismo na osteoartrite leva à atrofia muscular, instabilidade articular e “fome” da cartilagem, acelerando a degeneração. O exercício terapêutico:

  • Fortalece os músculos periarticulares, que agem como amortecedores de impacto.
  • Mantém a amplitude de movimento e reduz a rigidez matinal.
  • Promove a lubrificação articular natural.
  • Libera miocinas anti-inflamatórias.

Checklist: Exercício Seguro na Dor Crônica

  • Baixo Impacto: Prefira atividades como natação, hidroginástica, ciclismo estacionário ou caminhada em terreno plano.
  • Aquecimento: Nunca inicie “a frio”. Movimente as articulações suavemente por 5-10 minutos antes da carga.
  • Respeite a Dor Aguda: Dor muscular pós-treino é normal. Dor articular aguda e pontiaguda durante o exercício é sinal para parar ou adaptar.
  • Consistência sobre Intensidade: 20 minutos diários são superiores a 2 horas uma vez por semana.

8. O Impacto Sistêmico do Tabagismo na Dor

A relação entre tabagismo e dor crônica é bidirecional e deletéria. A nicotina possui um efeito vasoconstritor potente, reduzindo o fluxo sanguíneo para tecidos que já possuem vascularização precária, como os discos intervertebrais. Isso acelera a doença degenerativa do disco e dificulta a reparação tecidual após microtraumas.

Além disso, o tabagismo interfere no metabolismo hepático de diversos medicamentos analgésicos, reduzindo sua eficácia e exigindo doses maiores para o mesmo efeito terapêutico. Estudos demonstram que fumantes têm maior incidência de lombalgia, pior recuperação pós-operatória e maior intensidade de dor em condições como a fibromialgia.

Mecanismos: Como o Cigarro Amplifica a Dor

Hipóxia Tecidual

O monóxido de carbono reduz o transporte de oxigênio, e a nicotina contrai os vasos, “asfixiando” os tecidos lesionados.

Pro-Inflamação

O tabagismo aumenta os níveis de citocinas pro-inflamatórias sistêmicas, exacerbando a artrite e a dor muscular.

Interferência Analgésica

Indução de enzimas hepáticas que degradam analgésicos mais rapidamente, reduzindo seu efeito.

Neuroplasticidade

Alterações nos receptores nicotínicos centrais podem aumentar a percepção e a sensibilidade à dor.

Quando a Dor Exige Atenção Imediata

Embora muitas dores musculoesqueléticas sejam benignas, certos sinais de alerta (“Red Flags”) indicam a necessidade de investigação médica urgente para descartar patologias graves como infecções, tumores ou compressões neurológicas severas.

Tabela 2: Sinais de Alerta (Red Flags) em Dores de Coluna e Articulares
Sinal/Sintoma Possível Significado Ação Recomendada
Perda de controle esfincteriano (urina/fezes) Síndrome da Cauda Equina (compressão grave). Emergência Médica Imediata.
Febre associada à dor Infecção (espondilodiscite, artrite séptica). Pronto-socorro/Avaliação Urgente.
Perda de peso inexplicada Neoplasia (Câncer) ou doença sistêmica. Investigação clínica completa.
Dor noturna que não alivia com repouso Tumor, infecção ou inflamação grave. Consulta médica breve.

Jornada Ideal do Tratamento da Dor

Diagnóstico Preciso
(Excluir Red Flags)
Controle Sintomático
(Medicação/Intervenção)
Reabilitação
(Fisioterapia/Exercício)
Autocuidado
(Estilo de vida/Manutenção)

Perguntas Frequentes sobre Dor e Tratamento

A mudança do tempo (frio/chuva) realmente piora a dor?

Sim, para muitas pessoas com artrite ou fibromialgia. A teoria mais aceita é que a queda na pressão barométrica permite que os tecidos inflamados se expandam levemente, aumentando a pressão intra-articular e a estimulação nervosa, causando dor.

Devo usar gelo ou calor para a dor?

Como regra geral: use gelo para lesões agudas (primeiras 48h) e inflamação visível (inchaço/vermelhidão) para vasoconstrição. Use calor para dores musculares crônicas, rigidez articular e contraturas, para promover relaxamento e fluxo sanguíneo.

O que é fibromialgia?

É uma síndrome de dor crônica generalizada caracterizada por um defeito no processamento da dor no sistema nervoso central (amplificação). Não causa lesão nas articulações, mas gera dor real, fadiga intensa, distúrbios do sono e problemas cognitivos (“fibro fog”).

A acupuntura realmente funciona para dor?

Sim. A acupuntura médica tem forte evidência clínica para lombalgia, osteoartrite de joelho, enxaqueca e dor cervical. Ela atua liberando endorfinas, serotonina e modulando as vias de dor no cérebro e medula espinhal.

Tomar analgésicos todos os dias faz mal?

O uso crônico de anti-inflamatórios pode causar úlceras gástricas, insuficiência renal e riscos cardiovasculares. O uso excessivo de analgésicos simples pode causar “cefaleia por uso excessivo de medicação”. O manejo da dor crônica deve priorizar medicamentos moduladores (como antidepressivos/anticonvulsivantes) prescritos pelo médico, que são mais seguros a longo prazo.

Dormir mal piora a dor?

Absolutamente. O sono é o momento de reparação neuroquímica. A privação do sono reduz o limiar de dor e aumenta a sensibilidade, criando um ciclo vicioso onde a dor impede o sono e a falta de sono aumenta a dor.

A dor crônica tem cura?

Muitas vezes, a dor crônica é uma condição a ser gerenciada, não necessariamente “curada” no sentido de desaparecer para sempre. O objetivo do tratamento é reduzir a intensidade da dor para níveis que permitam funcionalidade e qualidade de vida plena.

O que é dor neuropática?

É a dor causada por lesão ou disfunção do próprio sistema nervoso (nervo periférico, medula ou cérebro), como na neuropatia diabética ou ciática. É frequentemente descrita como queimação, choque, formigamento ou agulhadas, e não responde bem a analgésicos comuns.

Exercício físico pode curar hérnia de disco?

O corpo tem a capacidade de reabsorver a parte herniada do disco ao longo do tempo. O exercício e a fisioterapia não “colocam o disco no lugar”, mas estabilizam a coluna, reduzem a inflamação e permitem que esse processo natural de cura ocorra sem dor incapacitante.

Vou ficar viciado se tomar opioides?

O risco de dependência existe, mas é manejável quando prescrito criteriosamente para dores agudas severas ou câncer. Para dor crônica não oncológica, os opioides não são a primeira linha de tratamento devido ao fenômeno de tolerância (precisar de doses maiores) e hiperalgesia induzida por opioides.

 

🧊 Gelo ou 🔥 Calor?

Dúvida comum. Selecione como está sua dor agora:

🤕
Lesão Recente Pancada, inchaço, vermelho ou quente. (Menos de 48h)
🦴
Dor Crônica Rigidez, “travado”, dor antiga ou contratura muscular.

🌬️ Alívio Imediato

Sente dor ou ansiedade? Acompanhe o círculo para relaxar o sistema nervoso.

Inspire

Técnica de coerência cardíaca.

Dr. Marcus Yu Bin Pai

CRM-SP: 158074 / RQE: 65523 - 65524 | Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura. Área de Atuação em Dor pela AMB. Doutorado em Ciências pela USP. Pesquisador e Colaborador do Grupo de Dor do Departamento de Neurologia do HC-FMUSP. Diretor de Marketing do Colégio Médico de Acupuntura do Estado de São Paulo (CMAeSP). Integrante da Câmara Técnica de Acupuntura do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP). Secretário do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED). Presidente do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira de Regeneração Tecidual (SBRET). Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Dor da Universidade de São Paulo (USP). Membro do Conselho Revisor - Medicina Física e Reabilitação da Journal of the Brazilian Medical Association (AMB).  

1 Comente

Deixe o seu comentário.

Deixe o seu comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.