Acupuntura e Neuralgia Pós-Herpética: Tratamento Especializado para Dor Crônica

A neuralgia pós-herpética (NPH) representa uma das complicações mais desafiadoras do herpes-zóster, caracterizada por dor neuropática persistente que pode durar meses ou até anos após a cicatrização das lesões cutâneas. Esta condição afeta significativamente a qualidade de vida dos pacientes, comprometendo o sono, o humor e as atividades diárias.

A acupuntura médica surge como uma opção terapêutica complementar eficaz no manejo da NPH, oferecendo alívio da dor através de mecanismos neurofisiológicos bem documentados. Quando realizada por médicos especializados, a técnica pode ser integrada ao tratamento convencional, potencializando os resultados e reduzindo a necessidade de medicamentos.

O Que É a Neuralgia Pós-Herpética?

A neuralgia pós-herpética é definida como dor neuropática que persiste por mais de 90 dias após o início das erupções cutâneas do herpes-zóster. O vírus varicela-zóster, responsável pela catapora na infância, permanece latente nos gânglios nervosos e pode se reativar décadas depois, causando o herpes-zóster (popularmente conhecido como “cobreiro”).

Durante a reativação, o vírus danifica as fibras nervosas sensitivas, provocando alterações estruturais e funcionais que resultam em dor crônica mesmo após a resolução das lesões de pele. A NPH afeta aproximadamente 10-18% dos pacientes com herpes-zóster, com incidência aumentando significativamente após os 60 anos de idade.

Fatores de Risco para Desenvolver NPH

• Idade avançada: risco aumenta progressivamente após os 50 anos
• Intensidade da dor aguda: dor severa durante o episódio de herpes-zóster
• Extensão das lesões: maior área corporal afetada
• Imunossupressão: diabetes, uso de corticoides, quimioterapia
• Localização: envolvimento do trigêmeo ou região oftálmica
• Atraso no tratamento antiviral: início tardio da medicação

Sintomas Característicos da Neuralgia Pós-Herpética

A dor neuropática da NPH apresenta características distintas que a diferenciam de outros tipos de dor. Compreender esses sintomas é fundamental para o diagnóstico correto e planejamento terapêutico adequado.

Tipos de Dor na NPH

Dor espontânea contínua: sensação de queimação ou ardência constante na área afetada, descrita pelos pacientes como “fogo na pele” ou “pele em brasa”. Esta dor pode variar de intensidade ao longo do dia, geralmente piorando à noite.

Dor paroxística: crises de dor aguda, em pontadas ou choques elétricos, que ocorrem de forma súbita e imprevisível. Esses episódios podem ser extremamente intensos, causando grande sofrimento ao paciente.

Alodinia: dor provocada por estímulos normalmente não dolorosos, como o toque leve da roupa, vento ou água do banho. É um dos sintomas mais incapacitantes da NPH.

Hiperalgesia: resposta exagerada a estímulos dolorosos leves, com dor desproporcional ao estímulo aplicado.

Como a Acupuntura Médica Funciona na NPH

A acupuntura médica atua através de mecanismos neurofisiológicos bem estabelecidos pela ciência moderna. A inserção de agulhas em pontos específicos do corpo desencadeia uma série de respostas que modulam a percepção e transmissão da dor.

Mecanismos de Ação Científicos

Liberação de neurotransmissores: A estimulação dos pontos de acupuntura promove a liberação de endorfinas, encefalinas e dinorfinas – peptídeos opioides endógenos com potente ação analgésica. Também aumenta os níveis de serotonina e noradrenalina, moduladores importantes da dor neuropática.

Modulação das vias da dor: A acupuntura ativa o sistema inibitório descendente da dor, que parte de estruturas cerebrais como a substância cinzenta periaquedutal e núcleo magno da rafe, enviando sinais que “bloqueiam” a transmissão dolorosa na medula espinhal.

Efeitos anti-inflamatórios: Estudos demonstram que a acupuntura reduz citocinas pró-inflamatórias (TNF-α, IL-1β, IL-6) e aumenta citocinas anti-inflamatórias, contribuindo para a redução da neuroinflamação presente na NPH.

Neuroplasticidade: O tratamento repetido com acupuntura pode promover reorganização das vias nervosas alteradas, favorecendo a recuperação funcional dos neurônios sensitivos danificados pelo vírus.

Técnicas de Acupuntura para Neuralgia Pós-Herpética

Diversas modalidades de acupuntura podem ser empregadas no tratamento da NPH, cada uma com indicações específicas conforme as características clínicas do paciente. O médico acupunturista seleciona a técnica mais adequada após avaliação individualizada.

Acupuntura Sistêmica

A abordagem sistêmica utiliza pontos em todo o corpo, incluindo membros e tronco, visando modular o sistema nervoso central e promover efeito analgésico global. Pontos distais dos dermátomos afetados são frequentemente utilizados para evitar estimulação direta de áreas hipersensíveis.

Eletroacupuntura

A eletroacupuntura associa estímulo elétrico às agulhas, potencializando a liberação de neurotransmissores. Frequências baixas (2-4 Hz) estimulam predominantemente a liberação de endorfinas e encefalinas, enquanto frequências altas (80-100 Hz) favorecem a liberação de dinorfinas. A combinação de frequências (modo denso-disperso) é frequentemente utilizada na NPH.

Acupuntura Perilesional

Técnica que posiciona as agulhas ao redor da área afetada, sem puncionar diretamente a região de maior dor. É particularmente útil em pacientes com alodinia intensa, permitindo tratamento eficaz sem provocar desconforto adicional.

Dry Needling (Agulhamento a Seco)

Quando realizado por médico habilitado, o dry needling pode complementar o tratamento da NPH abordando pontos-gatilho miofasciais que frequentemente se desenvolvem em músculos adjacentes às áreas afetadas pelo herpes-zóster, contribuindo para dor referida e contraturas musculares secundárias.

Tratamento Farmacológico Complementar

O manejo farmacológico da NPH frequentemente envolve medicamentos que atuam no sistema nervoso central, sendo prescritos pelo médico de acordo com as características individuais de cada paciente. A acupuntura pode ser associada a estas medicações, frequentemente permitindo redução de doses e efeitos colaterais.

Anticonvulsivantes

Gabapentina: Medicamento de primeira linha para dor neuropática, atua bloqueando canais de cálcio voltagem-dependentes. Doses típicas variam de 900 a 3600 mg/dia, divididas em três tomadas. Efeitos colaterais incluem sonolência, tontura e edema periférico.

Pregabalina: Similar à gabapentina, porém com farmacocinética mais previsível. Doses usuais de 150 a 600 mg/dia. Pode causar ganho de peso e alterações cognitivas.

Antidepressivos

Amitriptilina: Antidepressivo tricíclico com ação analgésica independente do efeito antidepressivo. Doses de 25-150 mg/dia, preferencialmente à noite. Contraindicado em idosos com risco cardiovascular ou glaucoma.

Duloxetina: Inibidor da recaptação de serotonina e noradrenalina com indicação para dor neuropática. Doses de 60-120 mg/dia, com menor perfil de efeitos colaterais que tricíclicos.

Tratamentos Tópicos

Lidocaína 5% (adesivo): Anestésico local em forma de emplastro, aplicado diretamente sobre a área dolorosa. Proporciona alívio com mínima absorção sistêmica.

Capsaicina 8% (adesivo de alta concentração): Aplicação realizada em ambiente médico, promove dessensibilização das fibras nervosas por até 3 meses.

Outras Terapias Não Cirúrgicas

O tratamento multimodal da NPH frequentemente combina diferentes abordagens terapêuticas para otimizar os resultados. Além da acupuntura e medicamentos, outras técnicas podem ser incorporadas ao plano de tratamento.

TENS (Estimulação Elétrica Transcutânea)

A TENS utiliza correntes elétricas de baixa intensidade através de eletrodos colocados sobre a pele. Atua pelo mecanismo de “comporta da dor”, onde a estimulação das fibras nervosas grossas inibe a transmissão da dor pelas fibras finas. É uma técnica segura que o paciente pode utilizar em domicílio após orientação adequada.

Laser de Alta Intensidade

O laser de alta potência promove fotobiomodulação dos tecidos, reduzindo inflamação e estimulando a regeneração nervosa. Estudos demonstram que pode complementar a acupuntura no tratamento da dor neuropática, com efeitos anti-inflamatórios e analgésicos.

Ondas de Choque

A terapia por ondas de choque extracorpóreas pode ser utilizada em alguns casos de NPH, promovendo neovascularização e liberação de fatores de crescimento que auxiliam na regeneração tecidual.

Bloqueios Nervosos e Mesoterapia

Infiltrações com anestésicos locais e anti-inflamatórios podem proporcionar alívio temporário e auxiliar no diagnóstico da dor. A mesoterapia utiliza microinjeções intradérmicas de substâncias farmacológicas na região afetada.

Toxina Botulínica (Botox)

A aplicação subcutânea de toxina botulínica tipo A na região afetada pela NPH tem demonstrado resultados promissores em estudos clínicos. O mecanismo envolve inibição da liberação de neurotransmissores nociceptivos, com efeito analgésico que pode durar de 2 a 3 meses por aplicação.

Quando Procurar Tratamento Especializado

O reconhecimento precoce dos sintomas e a busca por tratamento especializado são fundamentais para prevenir a cronificação da dor e melhorar o prognóstico. Alguns sinais indicam a necessidade de avaliação médica imediata.

Prevenção da Neuralgia Pós-Herpética

A prevenção da NPH começa com medidas para evitar o próprio herpes-zóster ou, quando este ocorre, iniciar tratamento precoce para minimizar o dano nervoso.

Vacinação

A vacina contra herpes-zóster (Shingrix) é recomendada para adultos a partir de 50 anos. Esta vacina recombinante reduz significativamente o risco de desenvolver herpes-zóster e, consequentemente, de NPH. Mesmo pessoas que já tiveram herpes-zóster podem se beneficiar da vacinação para prevenir episódios futuros.

Tratamento Antiviral Precoce

O início de antivirais (aciclovir, valaciclovir ou fanciclovir) nas primeiras 72 horas após o surgimento das vesículas reduz a replicação viral e pode diminuir a incidência e gravidade da NPH. Quanto mais precoce o tratamento, melhores os resultados.

Prognóstico e Expectativas do Tratamento

O prognóstico da NPH é variável e depende de diversos fatores, incluindo idade do paciente, intensidade inicial da dor, tempo decorrido desde o início dos sintomas e resposta ao tratamento inicial.

Com tratamento adequado e multimodal, a maioria dos pacientes experimenta melhora significativa da dor. Estudos mostram que aproximadamente 50% dos pacientes com NPH apresentam resolução espontânea em 1 ano, e com tratamento ativo essa taxa pode ser significativamente maior.

A acupuntura médica, quando integrada ao tratamento farmacológico, pode acelerar a recuperação, reduzir a necessidade de medicamentos e melhorar a qualidade de vida. Pacientes que iniciam tratamento precoce e mantêm acompanhamento regular apresentam os melhores desfechos.

Ferramentas Interativas para Pacientes

📋 Checklist de Sintomas da NPH

Marque os sintomas que você apresenta para discutir com seu médico

Queimação constante – Sensação de ardência na pele Choques elétricos – Dor em pontadas súbitas Alodinia – Dor ao toque leve (roupa, vento) Coceira intensa – Prurido na região afetada Dormência – Áreas com perda de sensibilidade Insônia – Dificuldade para dormir por causa da dor Ansiedade/Depressão – Alterações de humor pela dor crônica Envolvimento facial – Dor na região do rosto ou olhos

0 sintomas

Selecione os sintomas que você apresenta

Dr. Marcus Yu Bin Pai

CRM-SP: 158074 / RQE: 65523 - 65524 | Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura. Área de Atuação em Dor pela AMB. Doutorado em Ciências pela USP. Pesquisador e Colaborador do Grupo de Dor do Departamento de Neurologia do HC-FMUSP. Diretor de Marketing do Colégio Médico de Acupuntura do Estado de São Paulo (CMAeSP). Integrante da Câmara Técnica de Acupuntura do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP). Secretário do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED). Presidente do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira de Regeneração Tecidual (SBRET). Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Dor da Universidade de São Paulo (USP). Membro do Conselho Revisor - Medicina Física e Reabilitação da Journal of the Brazilian Medical Association (AMB).