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Preconceito faz com que médicos duvidem de dor crônica em mulheres? Entenda

“Passei uma semana com cólica renal e os médicos falavam que não podiam fazer nada porque não havia como comprovar que ‘a dor era real'”. A vendedora Flávia Machado, 22, sofre com esse tipo de dor desde o ano passado; e conta que ouve constantemente de médicos que isso ‘não é nada de mais’. “Já ouvi, inclusive, que minhas dores eram estresse no trabalho; e eles deram a entender que eu só queria um atestado”, conta Flávia.

O problema só foi solucionado onze meses depois que as crises começaram. Flávia encontrou uma médica que passou a ela uma bateria de exames e, ao analisá-los, descobriu cristais nos rins da paciente. “Desde a adolescência, vou ao hospital por causa de infecção urinária. A maioria dos médicos que me atendeu era homem. Eu detestava me consultar com eles porque tudo era causado por estresse ou TPM“.

A revista “Scientific American”, a mais prestigiada no campo da ciência, fez e publicou um estudo em 2017, que informava que mulheres sentem dor de forma mais intensa do que homens. Marcus Yu Bin Pai, médico especialista em dor e pesquisador do Grupo de Dor do Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, diz que “diferenças hormonais e genéticas fazem com que o cérebro da mulher seja mais sensível à dor”.

E a dor, nas mulheres, também é mais complicada nas mulheres por um outro motivo: De acordo com artigo publicado pela Escola de Medicina de Harvard, também em 2017, mulheres são 70% dos pacientes que sofrem de dor crônica — as que duram mais de três meses. Mesmo sendo maioria, entretanto, as mulheres relatam ter suas queixas minimizadas por médicos (homens) com mais frequência do que os homens. Para especialistas ouvidos pela reportagem, a negligência acontece, especialmente, porque médicos homens tendem a ver a dor feminina como menor, “frescura” ou de causa psicológica.

“Estava com dor na perna, e o médico disse que era queimadura de Sol”

A analista de banco de dados Victória Vitta, 27, sempre se preocupou com dores crônicas por causa de seu histórico familiar: a mãe faleceu em decorrência de um câncer no cérebro, e seu pai sobreviveu a três derrames. Em 2015, ela passou a sofrer com dores na panturrilha, mesmo quando não fazia esforço físico.

“Contei o que estava acontecendo, e o médico falou displicentemente que era queimadura de Sol. Não sou burra, eu não estava queimada, e sabia o que estava sentindo. Implorei para ele pedir exames. Finalmente, fiz uma ressonância magnética e ele descobriu que eu tinha um músculo distendido. Fiz um tratamento, a dor passou momentaneamente, mas voltou nos meses seguintes. Só descobri a real razão da dor, depois que uma fisioterapeuta mulher identificou que tenho escoliose, e que a dor na perna acontece por causa dessa descompensação na coluna”, diz Victória.

Machismo ainda interfere no tratamento

Alexandra Raffaini, médica especialista em tratamento da dor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, diz que já teve diversas pacientes que relataram as mesmas situações pelas quais Flávia e Victória passaram.

“Muitas vezes, essas mulheres acreditaram que a dor era psicológica”, diz a médica. Ela acredita que há uma crença, mesmo dentro da classe médica, de que a mulher está sendo dramática ao se queixar de dor crônica. “O fato de, no geral, o limiar de dor nas mulheres ser menor do que nos homens pode ser um problema, porque passa a informação errada de que mulheres exageram no relato da dor”.

Bin Pai explica que “além do preconceito com a mulher, existe um desconhecimento sobre a dor humana. Tem pesquisas em universidades americanas que mostram que o médico só tem, em média, seis horas de aulas sobre dor e dor crônica na faculdade. Então, ele acaba sendo treinado para somente identificar lesões físicas, e quando ele não a vê, acredita que a dor é passageira, exagerada ou irreal”.

Estudos de remédios para dor são feitos em homens ou em ratos machos

O artigo de Harvard aponta outro motivo que piora a situação de mulheres que sentem dor: 80% dos analgésicos são testados em ratos machos ou em homens, usando, portanto, apenas o parâmetro de dor deles.

Outros estudos mostram que um mesmo remédio, por exemplo, aspirina, tem efeitos diferentes no homem e na mulher. E, em 2014, os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA baixaram uma norma que exige que o gênero seja considerado como uma variável nos estudos de biomedicina com animais.

“Não é só o analgésico; o relaxante muscular precisa também ser receitado em doses diferentes para homens e mulheres, por conta da diferença na sensação da dor. Em princípio, elas não precisam de uma dose tão forte”, diz Bin Pai.

Dificuldade para medir o grau da dor

Não há uma maneira precisa ou aparelho que meça, objetivamente, o grau de dor, problema este, que leva a interpretações diversas sobre o desconforto dos pacientes.

Uma dor crônica “não necessariamente é sinal de doença grave, mas não é porque a dor não indica uma gravidade que ela não é incapacitante”, explica Alexandra.

Bin Pai afirma que a classe médica precisa se movimentar para entender melhor a dor crônica para evitar que casos como os relatados na reportagem continuem acontecendo. “Hoje, temos congressos, cursos e simpósios feitos pela Sociedade Brasileira do Estudo da Dor para que médicos reconheçam essa ‘falta’ e saibam tratar as pessoas”.

Para os pacientes, o especialista também recomenda que ouçam mais de uma opinião para ter certeza de que terão o diagnóstico certo, de preferência com um especialista. Caso sintam que estão sendo negligenciados, eles devem procurar a ouvidoria do hospital onde estiveram.