A Síndrome de Hipermobilidade Articular (SHA) é uma condição clínica caracterizada pela frouxidão excessiva dos ligamentos e das articulações. Na prática, isso significa que a pessoa consegue realizar movimentos com uma amplitude muito maior do que o habitual, como encostar as palmas das mãos no chão sem dobrar os joelhos ou estender os cotovelos além da linha reta.
Essa característica tende a ser hereditária, envolvendo fatores genéticos que afetam a produção de colágeno — a proteína que dá “liga” e firmeza aos tecidos do corpo.
Estima-se que a hipermobilidade esteja presente em 10% a 30% da população, sendo mais frequente em mulheres e crianças.
Os sintomas da síndrome podem variar bastante. O quadro mais comum inclui dores articulares crônicas (joelhos, quadris, cotovelos e dedos). Como as articulações são instáveis, o paciente acaba realizando movimentos exagerados sem perceber, aumentando drasticamente o risco de lesões, entorses, luxações (deslocamentos) e distensões musculares.
A hipermobilidade articular por si só não é uma doença. Muitas pessoas são hipermóveis e não sentem dor — neste caso, não requerem tratamento médico específico, apenas orientação preventiva. O termo “Síndrome” é usado quando essa flexibilidade excessiva vem acompanhada de dor e perda de qualidade de vida.
O tratamento médico é essencial para evitar o desgaste precoce das articulações (artrose) e controlar a dor.
A condição ocorre porque os ligamentos — as estruturas que conectam um osso ao outro — são mais “elásticos” do que deveriam ser. Isso permite que articulações como cotovelo, joelho ou quadril se movam além da faixa anatômica segura.
É muito comum em crianças (10% a 25%), sendo muitas vezes chamadas de “crianças de borracha”. Na maioria dos casos, a rigidez articular aumenta naturalmente com a idade, e a hipermobilidade diminui.
O maior perigo reside na falta de percepção corporal. Como a pessoa não sente a “trava” natural do ligamento, ela pode sobrecarregar a articulação repetidamente, levando a microtraumas que resultarão em dor crônica no futuro.
Embora possa causar dor, a condição é geralmente benigna.
Muitas pessoas convivem bem com a característica. Em profissões ou atividades como balé, ginástica olímpica e música (pianistas e violinistas), a flexibilidade extra pode até representar uma vantagem técnica, desde que bem gerenciada para não causar lesões.
O que causa a síndrome de hipermobilidade articular?
A causa é predominantemente genética. Os genes responsáveis pela produção de colágeno (proteína que forma a estrutura da pele, tendões e ligamentos) sofrem alterações, resultando em um tecido conjuntivo mais frágil e elástico.
Existem quatro pilares principais que explicam a hipermobilidade articular:
- Estrutura do Colágeno: Se a fibra é mais frouxa, os ligamentos esticam demais.
- Formato Ósseo: A profundidade dos encaixes das articulações.
- Tônus Muscular: A rigidez natural dos músculos em repouso.
- Propriocepção: A capacidade do cérebro de sentir a posição do corpo.
Entenda cada um desses fatores abaixo:
1. Estrutura de colágeno
O colágeno funciona como a “cola” do corpo. Nos ligamentos, ele deve ser resistente para limitar o movimento das articulações e impedir que os ossos saiam do lugar.
Se a genética determina um colágeno mais elástico ou fraco, os ligamentos não conseguem frear o movimento no ponto certo, permitindo que a articulação “dobre” além do limite seguro.
2. Forma das extremidades ósseas
A anatomia dos ossos também influencia. Algumas pessoas nascem com soquetes articulares (como o encaixe do quadril ou ombro) mais rasos. Isso permite naturalmente uma amplitude de movimento muito maior, mas também facilita deslocamentos (luxações).
3. Tônus muscular
O tônus é a tensão natural do músculo em repouso. Crianças e adultos com hipermobilidade frequentemente apresentam hipotonia (baixo tônus muscular). Como os músculos estão mais “relaxados”, eles oferecem menos resistência passiva ao movimento das articulações.
4. Propriocepção (Senso de movimento)
Propriocepção é a capacidade de saber onde seu corpo está no espaço sem olhar (por exemplo, saber que seu braço está levantado mesmo de olhos fechados).
Pessoas com hipermobilidade tendem a ter uma propriocepção reduzida. Elas demoram a sentir que uma articulação chegou ao seu limite máximo. Consequentemente, continuam forçando o movimento, causando microlesões repetitivas sem perceber.
- Fortalecimento muscular isométrico (sem movimento articular amplo).
- Atividades de baixo impacto (Pilates clínico, natação).
- Manter o peso corporal controlado para não sobrecarregar as juntas.
- Respeitar a dor e o cansaço (ritmo adequado).
- Alongamentos excessivos (não force além do limite).
- Esportes de alto impacto ou contato (risco de luxação).
- Manter a mesma postura por tempo prolongado.
- Estalar as articulações propositalmente de forma repetitiva.
Doenças associadas e Fatores de Risco
A hipermobilidade articular pode ser um sintoma isolado ou fazer parte de condições genéticas mais complexas que afetam o tecido conjuntivo. As principais incluem:
Síndrome de Ehlers-Danlos (SED): Uma condição hereditária caracterizada por pele muito elástica, fragilidade dos tecidos e hipermobilidade severa.
Síndrome de Marfan: Afeta ossos, olhos e coração. Pacientes geralmente são altos, magros e com dedos longos.
Também é comum encontrar hipermobilidade em pessoas com Síndrome de Down.
Quais são os sinais e sintomas mais comuns?
Como as articulações têm movimento excessivo, elas se tornam instáveis e mais suscetíveis a lesões.
Os sintomas podem ser divididos em musculoesqueléticos e sistêmicos:
- Dor e Rigidez: Principalmente nos joelhos, dedos, quadris e cotovelos. Piora após atividade física ou no final do dia.
- Coluna Vertebral: Maior incidência de escoliose e dores nas costas ou na região cervical (pescoço).
- Lesões Recorrentes: Entorses frequentes, tendinites, bursites e luxações (o osso “sai do lugar”, como no ombro).
- Fadiga: Cansaço extremo, pois os músculos precisam trabalhar o dobro para estabilizar as articulações frouxas.
- Sinais Visuais: Hiperextensão dos joelhos ou cotovelos (dobram “para trás” mais de 10 graus) e capacidade de encostar o polegar no antebraço.
Além das articulações, a fraqueza do tecido conjuntivo pode causar outros sintomas no corpo:
- Pele: Fina, elástica, com propensão a estrias e hematomas fáceis.
- Pé Chato: O arco do pé desaba ao ficar em pé.
- Órgãos Internos: Maior risco de hérnias (abdominais/inguinais), varizes e, em mulheres, prolapso de órgãos pélvicos (bexiga caída) ou incontinência urinária por fraqueza do assoalho pélvico.
- Olhos: Miopia ou pálpebras caídas em alguns casos.
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico da Síndrome de Hipermobilidade Articular é eminentemente clínico, realizado pelo médico especialista (fisiatra, reumatologista ou ortopedista) através do exame físico e da história do paciente.
Não existem exames de sangue ou de imagem (Raio-X, Ressonância) que confirmem a síndrome, embora estes possam ser solicitados para excluir outras doenças, como artrite reumatoide.
Para padronizar o diagnóstico, os médicos utilizam o Escore de Beighton (para medir a flexibilidade) e os Critérios de Brighton (que consideram a dor e outros sintomas).
O Escore de Beighton
Este sistema de pontuação avalia a amplitude de movimento em 9 pontos do corpo. Cada movimento positivo vale 1 ponto. Um total de 4 ou mais pontos (em adultos) geralmente indica hipermobilidade.
Como funciona a pontuação:
- (1 ponto) Encostar as palmas das mãos no chão com as pernas esticadas.
- (1 ponto para cada lado) Cotovelo que dobra para trás (hiperextensão).
- (1 ponto para cada lado) Joelho que dobra para trás (hiperextensão).
- (1 ponto para cada lado) Polegar que encosta no antebraço ao ser flexionado.
- (1 ponto para cada lado) Dedo mindinho que dobra para trás além de 90 graus.
Apenas ter a hipermobilidade (pontuação alta de Beighton) não significa ter a Síndrome. Para diagnosticar a síndrome, usamos os Critérios de Brighton, que avaliam também a presença de sintomas.
Critérios de Brighton
O diagnóstico é confirmado se o paciente apresentar: 2 critérios maiores OU 1 critério maior e 2 menores OU 4 critérios menores.
Critérios Maiores
- Pontuação de Beighton de 4 ou mais (atualmente ou no passado).
- Dor articular em 4 ou mais articulações por mais de 3 meses.
Critérios Menores
- Pontuação de Beighton de 1 a 3 (ou 0-3 se tiver > 50 anos).
- Dor articular em 1 a 3 articulações, dor nas costas crônica, ou espondilose/espondilolistese.
- Luxação (deslocamento) de mais de uma articulação, ou da mesma articulação mais de uma vez.
- Três ou mais lesões de tecidos moles (ex: tendinite, bursite).
- Características marfanóides (alto, magro, envergadura maior que a altura, dedos longos).
- Pele anormal (estrias, hiperextensibilidade, pele fina).
- Sinais oculares (pálpebras caídas, miopia).
- Varizes, hérnias ou prolapso uterino/retal.
Tratamento da Síndrome de Hipermobilidade Articular
Se a hipermobilidade não causa dor ou sintomas, ela não requer tratamento médico, apenas prevenção. No entanto, quando há dor crônica ou lesões recorrentes, uma abordagem multidisciplinar é fundamental.
O tratamento é personalizado e foca em três objetivos: aliviar a dor aguda, fortalecer a musculatura para estabilizar as articulações e reeducar o movimento.
Como os ligamentos são “frouxos” e não seguram a articulação corretamente, os músculos precisam assumir esse papel. Por isso, o fortalecimento muscular é o pilar principal do tratamento a longo prazo.
Pilares do Tratamento Médico e Reabilitação
1. Controle da Dor
Uso de medicações, acupuntura médica e meios físicos para tirar o paciente da crise aguda de dor.
2. Estabilização
Fisioterapia focada em fortalecimento isométrico e proteção articular (órteses se necessário).
3. Propriocepção
Treino neuromotor para ensinar o cérebro a reconhecer os limites seguros de cada movimento.
Auto-cuidado e Estilo de Vida
Algumas medidas simples podem proteger suas articulações:
- Controle de Peso: Manter um peso saudável reduz a carga mecânica sobre articulações já instáveis.
- Higiene do Sono: Dormir bem é crucial para a recuperação muscular e controle da dor crônica.
- Exercícios de Baixo Impacto: Prefira atividades como natação, hidroginástica, pilates clínico ou bicicleta. Evite esportes de contato ou que exijam paradas bruscas e mudanças de direção rápidas.
- Calçados: Use tênis com bom amortecimento e suporte para o tornozelo. Palmilhas podem ser indicadas se houver pé chato.
- Ritmo (Pacing): Não exagere. Intercale períodos de atividade com descanso para evitar a fadiga extrema.
Fisioterapia e Exercícios
Sob a prescrição médica, a fisioterapia é essencial. O foco não é “ganhar alongamento” (pois o paciente já é flexível), mas sim:
- Aumentar a estabilidade articular através do fortalecimento muscular (preferencialmente em cadeia fechada e isometria).
- Treinar a propriocepção (melhorar a consciência de onde a articulação está).
- Corrigir a postura e padrões de movimento errados.
É importante que o fisioterapeuta tenha experiência com hipermobilidade, pois alongamentos agressivos podem piorar os sintomas e causar lesões.
Terapia Ocupacional
A Terapia Ocupacional ajuda a adaptar as atividades diárias para reduzir o estresse nas articulações. Isso inclui ensinar formas de usar o computador, escrever ou realizar tarefas domésticas sem hiperextender os dedos ou punhos. Adaptações ergonômicas (como engrossadores de canetas) podem ser indicadas.
Podologia e Órteses
Como o pé chato é comum, o uso de palmilhas sob medida pode melhorar a pisada, reduzindo dores não só nos pés, mas também nos joelhos e coluna lombar.
Tratamento Medicamentoso
O médico pode prescrever analgésicos (como paracetamol ou dipirona) e anti-inflamatórios (em curtos períodos) para controlar crises de dor aguda.
O uso de géis e adesivos anti-inflamatórios locais também pode ser útil por apresentar menos efeitos colaterais gástricos.
Importante: O uso contínuo de anti-inflamatórios não é recomendado devido aos riscos renais e estomacais. Sempre siga a orientação do seu médico.
Clínica da Dor (Tratamento Especializado)
Se a dor se tornar crônica e os analgésicos comuns não funcionarem, o encaminhamento para um Médico Especialista em Dor é o mais indicado.
Nesses casos, podemos utilizar tratamentos mais avançados, como:
- Acupuntura Médica para controle da dor sem remédios.
- Infiltrações articulares guiadas.
- Terapias por Ondas de Choque para tendinites crônicas.
- Medicações neuromoduladoras (que atuam na sensibilidade dos nervos).
Prevenção e Prognóstico
Como a síndrome é genética, não é possível “curar” a característica do colágeno. No entanto, é totalmente possível prevenir a dor e a incapacidade.
O segredo do sucesso no tratamento a longo prazo inclui:
- Educação sobre os limites do corpo (consciência corporal).
- Manutenção de um corpo forte e ativo.
- Evitar o sedentarismo, que leva à atrofia muscular e piora a instabilidade.
Convivendo bem com a hipermobilidade
A maioria das pessoas com articulações hipermóveis leva uma vida normal e plena. Quando os sintomas aparecem, eles podem ser gerenciados com sucesso através da reabilitação e acompanhamento médico.
Entender que suas articulações exigem um cuidado “extra” é o primeiro passo para evitar lesões e viver sem dor.
Outras condições relacionadas
Em alguns casos, a hipermobilidade é um sinal de síndromes mais raras e específicas, como a Osteogênese Imperfeita (ossos de vidro), a Síndrome de Marfan ou tipos mais graves de Ehlers-Danlos.
Se você suspeita que sua hipermobilidade está afetando sua qualidade de vida, agende uma avaliação médica para um diagnóstico preciso e um plano de tratamento seguro.
Somos uma clínica premium localizada na região central de São Paulo, com uma equipe de médicos e fisioterapeutas especialistas em Dor, atuantes no Grupo de Dor da Neurologia e Ortopedia do Hospital das Clínicas da FMUSP.


6 Comentários
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oi meu nome eh marina (por favor não divulguem meu email) e eu tenho frouxidão ligamentar e estou acima do peso mais tenho muitas estrias muito mais que deveria tenho nos braços , ombros ,laterais do corpo, toda barriga e atras do joelho nunca engravidei e possuo so 15 anos porem também possuo sidrome dos ovários policísticos ,pre diabetes e hipotioridismo de hashimoto queria saber que exames deveria fazer para investigar e falei com um dermatologista sobre a frouxidão e ela falou que tem nada a ver mas a frouxidão nao eh causada por um problema no colageno ?
Olá, sim pode ser causado também por deficiência de colágeno, mas como é uma “sindrome” pode vir de vários outros fatores. alguns sintomas que você tem está diretamente ligado ao sobrepeso e não a frouxidão, porém, com um peso maior a condição de frouxidão pode piorar pois o peso sobrecarrega as articulações. uma boa dermato só irá cuidar das estrias, a sua parte hormonal deve ser consultada com um Endocrinologista e Ginecologista. espero ter ajudado.
Mas isso seria a justificativa de pessoas terem mais facilidade em realizar alongamento a outras?
Já vimos que para treinamento intenso de esportes para competição, a flexibilidade é importante para evitar problemas musculares, de tendões e até mesmo para evitar fraturas.
Pelo texto me parece que as pessoas mais flexíveis estariam num patamar diferente, talvez mais abaixo dos mais duros?
Pode me ajudar nesta interpretação?
É uma moeda com dois lados, uma pessoa com frouxidão articular tem sim a musculatura naturalmente alongada o que torna mais fácil e a coloca em um passo a frente em modalidades que precisam de muita flexibilidade como balé ou ginastica artística, porém, é um empecilho caso o esporte seja de contado como futebol, basquete, volei e até mesmo luta. Se por um lado está um passo na frente da flexibilidade, por outro, deve ser trabalhado o fortalecimento muito mais frequente que pessoas com condições normais.
Excelente matéria, gostaria de saber se a frouxidão está relacionada a problemas na fala e postura em crianças? desde já agradeço pela atenção.
olá, amei a materia, eu faço ginástica rítmica, e sempre me perguntam como eu sou tão flexível, eu respondo que eu nasci assim, mais com a ajuda nos treinos aumentou mais minha flexibilidade. lendo a matéria percebi que tenho muitos sintomas citados. (faço treino de fortalecimento para evitar as lesões nas articulações)