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Canabidiol (CBD) para dor e outras condições: o que se sabe até agora?

Maconha medicinal, CBD ou canabidiol são termos que têm aparecido bastante na mídia ultimamente, cercados de promessas de saúde e algumas polêmicas. Componentes da planta Cannabis sativa têm sido estudados há muitos anos, e sua validade terapêutica já foi estabelecida para algumas doenças ou condições. Mas é preciso tomar cuidado para separar o joio do trigo, ou seja, o que é evidência científica ou apenas modismo.

No fim de 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a venda de produtos à base de Cannabis para uso medicinal em farmácias no Brasil, mediante receita médica. As soluções são de uso oral ou nasal. O cultivo da planta no país, o que baratearia bastante os tratamentos, continua vetado (embora o tema possa voltar à análise no futuro), então fabricantes locais têm de importar o extrato.

Vale mencionar que já houve decisões na Justiça favoráveis à importação e até cultivo de maconha para fins medicinais para brasileiros que reivindicaram esse direito. Para essas pessoas, o processo de importação também foi simplificado recentemente.

O tema ainda é cercado de algumas polêmicas. De um lado, há quem tema que liberar a maconha medicinal dê brecha para a popularização dessa droga, ilícita no Brasil e em diversos países pelos danos que pode causar à saúde e seu potencial de gerar dependência.

No outro extremo, há quem imagine que o tal óleo de CBD, que virou febre em alguns países, pode ser a solução definitiva para quem sofre de dores crônicas, enxaqueca, insônia, ansiedade, TPM, Parkinson, Alzheimer e outros males. Mais ainda é cedo para dizer que isso é verdade.

THC e CBD

Antes de mais nada, é bom esclarecer alguns pontos. A Cannabis contém mais de 100 diferentes tipos de compostos químicos chamados de canabinoides. Os mais conhecidos são o THC (tetrahidrocanabinol) e o CBD (canabidiol).

O primeiro é o responsável pelo “barato” provocado pela maconha, e possui efeitos colaterais perigosos, como o risco de dependência. Já o CBD não é psicoativo, ou seja, não altera o estado de consciência de quem o consome.

Esse componente tem poucos efeitos colaterais e seu perfil de segurança já foi atestado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Alguns especialistas acreditam até que o CBD tem ação protetora contra os efeitos tóxicos do THC.

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Cânhamo ou maconha

Uma mesma espécie, a Cannabis sativa, pode ser manipulada para que se obtenha variedades com teores mais altos ou mais baixos de THC. Quando esse teor é acima de 0,3%, estamos falando da maconha, mais conhecida pelo seu uso recreativo. A

lguns países, como Canadá, Uruguai e certos estados norte-americanos decidiram legalizar a droga com o objetivo de inibir o problema do tráfico de drogas. Embora as pessoas associem mais o CBD ao uso terapêutico da Cannabis, também existe uso medicinal de produtos com THC.

Variedades de Cannabis com até 0,3% de THC são chamadas de cânhamo (“hemp”, em inglês). A planta contém altas concentrações de CBD. Caule, sementes e fibras também são usadas por indústrias como a de papel, tecidos, suplementos, medicamentos e cosméticos.

Assim como a Cannabis e alguns outros vegetais contêm fitocanabinoides, o corpo humano também produz seus próprios canabinoides (chamados de “endocanabinoides”), que interagem com neurotransmissores no cérebro.

Como agem os canabinoides

Os endocanabinoides mais conhecidos são a anandamida (mais parecido com o THC) e o 2-ag (ou 2-arachidonoyglycerol, análogo ao CDB). Como nós contamos com receptores para essas substâncias (chamados de CB1 e CB2), nosso corpo também reage aos fitocanabinoides. Sabe-se que esses receptores estão envolvidos em diferentes funções, como movimento, dor, emoções, apetite e imunidade, entre outras.

Pesquisas sobre o sistema endocanabinoide só ganharam força a partir de 1990. Como a Cannabis é ilícita na maior parte do mundo, as pesquisas sobre seu uso terapêutico ainda são consideradas uma área em emergência. Em ciência é preciso que resultados de eficácia sejam confirmados em diferentes trabalhos, com grande número de pessoas, por isso certos efeitos dos canabinoides já foram bem estabelecidos, mas muitos outros ainda carecem de investigação. Existe muito conhecimento sobre o THC, que se liga ao receptor CB1, mas ainda há pouca evidência de qualidade para o CBD e ao receptor CB2.

É medicamento ou não?

De acordo com a Anvisa, os produtos à base de Cannabis não poderão ser classificados como medicamentos inicialmente, e será preciso que os fabricantes assegurem sua eficácia se quiserem alcançar esse patamar mais tarde. Eles também não entram na categoria de suplementos ou fitoterápicos – é preciso ter receita médica para comprá-los.

A agência criou uma classificação específica para esses produtos, para garantir sua qualidade, e as doses e forma de consumo são responsabilidades do médico que fizer a prescrição.

Pelas regras, produtos com mais de 0,2% de THC só podem ser receitados para pacientes com doenças terminais ou que tenham esgotado as alternativas de tratamento. Nesse caso, o receituário médico para compra é igual ao exigido para produtos à base de morfina (tipo A). Já os produtos com menos de 0,2% de THC (e que, portanto, não causam “barato”) têm um controle um pouco menos rigoroso – o receituário é o B, que deve ser renovado em até 60 dias.

É importante mencionar que a Anvisa já aprovou o registro de um medicamento à base de Cannabis para o tratamento de espasmos relacionados à esclerose múltipla em pacientes que não responderam a outras drogas. O Mevatyl® (registrado em outros países com o nome comercial Sativex®) é uma solução oral em spray com 27 mg/mL de THC e 25 mg/mL de CBD, comercializada com tarja preta e a preço bem alto.

Nos EUA, o órgão regulador (Food and Drug Administration, ou FDA) já aprovou medicamentos à base de THC sintético (produzido em laboratório) para tratar situações graves como falta de apetite em pacientes debilitados pela Aids, além de dores e náuseas provocadas pelo tratamento do câncer. Nem é preciso dizer que são remédios de uso muito bem controlado, devido aos efeitos psicoativos. Os efeitos colaterais incluem ansiedade, taquicardia, problemas de memória e imunossupressão.

Em relação ao CBD, que possui um perfil bem maior de segurança, existe apenas um único medicamento à base desse componente aprovado pelo FDA, o Epidiolex. Ele é indicado para síndromes como a de Lennox-Gastaut ou de Dravet, que causam convulsões de difícil controle. Foi por causa de histórias dramáticas de crianças que só conseguiram ter quadros graves de epilepsia controlados após o consumo de CBD é que a regulamentação da Cannabis medicinal ganhou força no Brasil e em outros países.

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A moda do CBD

Vários estados norte-americanos já aprovaram o uso da maconha medicinal, e alguns também permitem o uso recreativo. Nesses locais, é possível obter produtos com quantidades variáveis de THC ou CBD, de acordo com as necessidades de cada paciente. Mas a Cannabis ainda é proibida na esfera federal, por isso a permissão para comercializar produtos com CBD naquele país varia muito, deixando consumidores confusos.

Em lojas de produtos naturais e na internet, tanto nos EUA quanto no Reino Unido, é possível encontrar diversos produtos de venda livre com a sigla CBD no rótulo (a maioria obtida a partir do cânhamo, que é legal). Há promessa de alívio para as mais diversas condições, como insônia, ansiedade, dores musculares, artrite, enxaqueca, TPM, fibromialgia e outras para as quais os efeitos do canabinoide ainda não foram nem testados.

O CBD também é ingrediente de balas, bebidas, doces, bolos, biscoitos e outras guloseimas com grande apelo no mercado de bem-estar. Autoridades têm alertado que é impossível saber se esses produtos possuem teor suficiente para proporcionar algum tipo de efeito terapêutico, já que alimentos e suplementos não são fiscalizados como remédios.

O marketing exagerado e ausência de regulação também podem expor os consumidores a riscos. Um estudo publicado no JAMA, periódico da Associação Médica Americana, em 2015, mostrou que, de 75 alimentos com CBD comercializados na Califórnia ou no estado de Washington, apenas 17% estavam com rótulo adequado. Alguns continham quantidades irrisórias de CBD, enquanto outros, excesso de THC. Análises com resultados parecidos também já foram divulgadas no Reino Unido, por isso turistas brasileiros devem tomar cuidado.

YouTube Hong Jin Pai

Os riscos do marketing

Muita gente que vive nos países em que os subprodutos da Cannabis são proibidos se vê na tentação de experimentar os efeitos da própria maconha, obtida no mercado ilegal. Com tanta propaganda a favor da planta, fica a impressão de que “se é natural e muitos usam como remédio, deve ser seguro”. O problema é que essas pessoas não têm a menor ideia do que estão consumindo. Pesquisas mostram que traficantes têm vendido variações da droga com muito pouco CBD e níveis cada vez mais altos de THC – dez ou vinte vezes mais elevados que o da droga consumida pelos hippies na década de 1970.

Outra possível consequência de todo esse “hype” em torno da Cannabis é a falsa sensação de segurança que traficantes passam ao vender “maconha sintética” (também encontrada como Spice, K2 e outros nomes “descolados” nas baladas). Como toda droga sintética, os efeitos são imprevisíveis e não faltam casos de jovens que morrem após consumirem esses compostos, produzidos em laboratórios de fundo de quintal.

Existem evidências de moderada qualidade quanto ao potencial terpêutico do canabidiol no controle de dor crônica.

Potencial terapêutico do CBD

Uma extensa análise sobre os efeitos terapêuticos do óleo de cânhamo e do CBD, publicada por pesquisadores da Clínica Mayo, em 2019, mostram que já existem evidências de qualidade moderada para justificar seu uso para dores crônicas e espasmos. E evidências de baixa qualidade para apoiar o uso em casos de náusea e vômitos relacionados à quimioterapia, ganho de peso nas infecções por HIV, transtornos do sono e síndrome de Tourette (tiques nervosos).

Além das evidências bem documentadas de benefícios para as síndromes epilépticas como a de Dravet e de Lennox-Gastaut, há alguns estudos que demonstram utilidade do CBD no alívio da ansiedade e da insônia. Outros ainda sugerem potencial para doenças como esquizofrenia, depressão, fibromialgia, doença inflamatória pélvica e como neuroprotetor.

Outro campo que tem sido explorado bastante nos EUA, por causa da crise dos opioides, é o uso do canabidiol como a alternativa a esses usuários, bem como no combate à dependência de heroína, outros drogas e abstinência do cigarro.

Há algumas evidências em animais de que o CBD ainda teria ação antitumoral e ajudaria pacientes no controle da dor do câncer. Mas isso precisa ser confirmado em mais estudos.

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Cannabis e dor

Tudo indica que os canabinoides agem em múltiplos alvos que atuam na dor, inclusive nos receptores de opioides e de serotonina (neurotransmissor ligado ao bem-estar).

Estudos já demonstraram que o THC tem propriedade analgésica, anti-inflamatória, antiespasmódica e relaxante muscular. Mas os efeitos colaterais podem ser graves, por isso a maconha medicinal tem sido destinada a casos terminais. Também há estudos com resultados promissores no uso do THC associado ao CBD para dor do câncer e enxaqueca, além de outras condições dolorosas.

Já o CBD sozinho, bem mais seguro, possui algum potencial como analgésico e anti-inflamatório também. Estudos com modelo animal revelaram efeitos promissores no combate a dores inflamatórias (como a da artrite) e também para dor neuropática (nos nervos). Mas ainda são necessários mais estudos em humanos.

Por último, há vários outros canabinoides que podem estar envolvidos nos benefícios da Cannabis contra a dor, como o CBC, o CBG e o THCV, mas os cientistas ainda precisam compreender melhor seu modo de ação.

Efeitos colaterais e interações

Os principais efeitos colaterais do CBD são: sonolência, redução do apetite, náusea, cansaço e diarreia.

É preciso ficar atento, porém, ao risco de interação com outros medicamentos ou suplementos. Como as substâncias são metabolizadas por enzimas em comuns, é possível que o CBD faça com que os níveis de certos fármacos no organismo aumentem ou diminuam.

Quem toma medicamentos para afinar o sangue, por exemplo, pode ter problemas com o CBD, da mesma forma que esses pacientes devem evitar o suco de toranja (grapefruit).

Dr. Marcus Yu Bin Pai

CRM-SP: 158074 / RQE: 65523 - 65524 | Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura. Área de Atuação em Dor pela AMB. Doutorado em Ciências pela USP. Pesquisador e Colaborador do Grupo de Dor do Departamento de Neurologia do HC-FMUSP. Diretor de Marketing do Colégio Médico de Acupuntura do Estado de São Paulo (CMAeSP). Integrante da Câmara Técnica de Acupuntura do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP). Secretário do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED). Presidente do Comitê de Acupuntura da Sociedade Brasileira de Regeneração Tecidual (SBRET). Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Dor da Universidade de São Paulo (USP). Membro do Conselho Revisor - Medicina Física e Reabilitação da Journal of the Brazilian Medical Association (AMB).